Inspirações e experiências

Aprender

Entrevista – Respeito ao ritmo e capacidade do bebê é essencial para seu desenvolvimento

22 de setembro de 2017

Mostrar que crianças de zero a três anos podem ser protagonistas de seu aprendizado e evolução é um dos objetivos da especialista em Educação Infantil, Suzana Macedo Soares, ao lançar o livro “Vínculo, Movimento e Autonomia – Educação até 3 anos”.

A partir de suas vivências com Formação Continuada de Profissionais da Educação Infantil e de seu envolvimento com a Abordagem Pikler, a autora – que também faz parte do Conselho Consultivo da Aliança pela Infância – compartilha nessa publicação reflexões sobre o papel dos adultos na hora de promover o desenvolvimento físico, mental e emocional nos primeiros anos de vida de uma criança.

O livro será lançado no dia 27 de setembro, em São Paulo (SP), na Livraria da Vila, e por isso procuramos Suzana para uma conversa sobre esse universo da Abordagem Pikler e seus desdobramentos no Brasil:

1. Como o livro foi construído e por que esse trabalho para trazer a Abordagem Pikler para a realidade brasileira?

A ideia do livro veio exatamente porque é um momento de descoberta dessa abordagem, que começou na década de 40 em Budapeste, com a médica húngara Emmi Pikler, e hoje se espalha por diversos países. O primeiro curso que fiz sobre esse tema no Brasil foi em 2009. Era uma iniciativa da Aliança pela Infância com a Organização Mundial para Educação Pré-Escolar (OMEP) e vieram professores de fora para explicar e nos envolver. Não existia informação sobre essa pedagogia em português, a não ser livros em espanhol e inglês. A Renate Keller, conselheira da Aliança, tinha acesso a um livro alemão e fez a tradução desse material com a autorização da equipe de Budapeste. Era um começo. A primeira iniciativa de aplicar a abordagem no Brasil foi na Associação Comunitária Monte Azul, com a Renate e a Ute Craemer. O esforço para trazer a Abordagem Pikler acontece motivado pela importância de se tratar o aprender de maneira mais humanizada, respeitando o tempo e capacidade das crianças de zero a três anos. Essa abordagem parte do princípio de que o bebê é um ser que pode fazer todas as etapas do desenvolvimento psicomotor por ele mesmo, sem os adultos forçarem e ensinarem o tempo todo. O bebê vai brincar, sentar e andar se nós, adultos, proporcionarmos um ambiente educador, seguro e instigante com os brinquedos adequados para que ele se desenvolva, do ponto de vista corporal. Enquanto o adulto ficar fazendo por ele o tempo todo, ele não tem a chance de experimentar o seu corpo e se desenvolver. Então eu fui pesquisar, fui pra Budapeste e, nessa trajetória, eu sentia falta de um livro em português que tivesse uma visão global da abordagem. Este livro que estou lançando busca trazer essa visão e foi pensado para formações, para os adultos se conectarem com crianças de zero a três anos e ajudarem no seu desenvolvimento, respeitando seu ritmo.

2. Como as pessoas estão recebendo a Abordagem Pikler e essa ideia de respeito ao ritmo da criança em uma época em que os adultos correm tanto, trabalham e têm noções diferentes de tempo?

A resposta tem sido positiva. Se olharmos para as escolas e creches, muitas vezes os professores têm dificuldade com crianças que choram muito e não se adaptam. Isso acontece por vários fatores, mas também por conta de um projeto pedagógico equivocado. Na educação de zero a três anos o professor tem que ensinar tudo e não existe o cuidado de observar a criança, deixá-la perceber, ajudá-la a descobrir o novo. E isso tem a ver com o tempo. Quando as pessoas recebem a Abordagem Pikler acontece uma estranheza inicial: como assim trocar uma criança em quinze minutos? Eu não tenho esse tempo. Mas ela começa a perceber que o momento do cuidado deve ser feito com calma e diálogo, isso na hora do banho, na troca e na alimentação. É assim que as crianças vão criando vínculo com o educador e passam a confiar nesse adulto de referência. Elas passam a colaborar com o adulto porque elas se sentem mais respeitadas quanto ao tempo delas. Para a criança não interessa que troquem a fralda dela em dois minutos, ela precisa entender o que está acontecendo. Se ela não tem tempo para entender, ela se sente invadida, então fica irritada, agitada e chora. Quando os educadores começam a colocar os bebês no chão, de barriga pra cima, para que eles possam se movimentar melhor, o desenvolvimento é natural: o entendimento do corpo, do espaço e de quem cuida muda e eles vão ficando mais felizes. Assim, a escola ou a creche deixa de ser um ambiente ameaçador e se torna um lugar de acolhimento.

3. Fale mais sobre esses ambientes preparados pela Abordagem Pikler. O que é necessário?

É preciso organizar, planejar um ambiente sem perigo e que mostre até onde a criança pode ir. Chão firme é importante, sair dos tapetes e almofadas macias e ir vendo como é a gravidade é um processo para o bebê. Tem que deitar no chão, nos brinquedos que estão ao alcance, tocar, dar tempo para a criança acostumar. Lembrando que essa criança brincando precisa de um adulto perto. Ela tem protagonismo e autonomia, mas ela não está sozinha. Como educador, nas escolas, é importante documentar essas descobertas para comentar com outros profissionais e pais como está acontecendo a evolução do aprendizado. As crianças são singulares e numa classe cheia de alunos, é normal acabar comparando e isso gera angustias. O que acontece é que cada um tem seu tempo emocional e físico. Cada criança está vivendo seu processo e, na verdade, o adulto também tem o seu.  No livro também trago reflexões sobre a consciência corporal do educador com base na Eutonia – pedagogia terapêutica que auxilia a reintegração da imagem corporal. Adulto que entende essa questão passa isso para os bebês de forma mais tranquila. A Abordagem Pikler respeita tudo isso.

4. Pensar nesses ambientes é algo que vale em casa, para as famílias também? Essa abordagem pode ser aplicada em diversos cenários?

Com certeza vale para as famílias, para dentro de casa também. As pessoas têm uma ideia equivocada de que educador é apenas o professor na escola. Mas aqui, o educador é aquele que está próximo da criança. O pai e a mãe são educadores, assim como os avós, enfermeiros, médicos ou psicólogos. Foi uma preocupação minha desde o início tornar o livro algo para todos que estão com crianças em seu dia a dia e também respeitar a nossa realidade brasileira em relação aos costumes e momento histórico. Quais os elementos da abordagem que tem uma conexão com nossas crianças e leis? Já temos nossas conquistas na Educação Infantil, no que tange aos direitos das crianças e adolescentes, a própria Aliança pela Infância e tantos outros lutam pelo cuidado com a primeira infância. A Abordagem Pikler vem para somar, melhorar alguns pontos. Ela tem uma linha pedagógica que pode ser levada para diversos cenários, tanto na escola, como no ambiente familiar.

5. A Abordagem Pikler se conecta com o ABCD que a Aliança vem trabalhando para pensar o Aprender, o Brincar, o Comer e o Dormir sob uma ótica mais encantada?

Está tudo muito conectado porque ambos querem respeitar o ritmo das crianças. O que acontece é que as pessoas vivem numa ansiedade grande, numa correria intensa e essas ideias remam contra a maré. Temos que aprender a desacelerar, estar presente e fazer os cuidados com diálogo corporal e verbal para que a criança entenda o que está sendo feito e ajude. Assim a criança começa a reagir, olho no olho, ela presta atenção e se interessa melhor por tudo ao redor. Valorizar o momento do aprender, brincar, comer e dormir é tudo que queremos nesse mundo onde as crianças que estão aceleradas são rapidamente taxadas de hiperativa e são medicadas porque “ela não para, é agitada”, mas como esperar algo diferente se no entorno dela está tudo tão caótico? A boa notícia é que os questionamentos em relação ao estilo de vida acelerado e sem “encantamento” está acontecendo. A procura pela Abordagem Pikler, por exemplo, é enorme. Parece que as pessoas estão sentindo necessidade disso. Estamos vendo que precisamos cavar um espaço para os bebês nesse mundo. Tomara que isso continue acontecendo, espero que o livro ajude para isso.

Mais sobre a autora

Suzana Macedo Soares, especialista em Educação infantil pelo Instituto Vera Cruz, é graduada em Comunicação Social pela PUC-SP e pós-graduada em Jornalismo Científico pela ECA-USP. Atua na formação continuada de educadores infantis em escolas públicas, particulares e instituições de acolhimento e como consultora em educação infantil.

Integra a Aliança pela Infância e a RNPI (Rede Nacional Primeira Infância), a Red Pikler Nuestra America, a Rede Pikler Brasil, e o grupo Educar 0 a 3.

Coautora dos livros: A Primeira Infância na Cultura da Paz; Estudos e Reflexões de Lóczy e O Acolhimento de bebês: práticas e reflexões compartilhadas.

Desde 1999 dirige o Ateliê Arte, Educação e Movimento, na zona oeste de São Paulo, onde realiza oficinas de movimento lúdico para bebês, cursos de formação continuada, rodas de conversa, e grupos de estudos (www.artesemovimento.com.br).

Lançamento

27 de Setembro, das 19h às 21h

Livraria da Vila – Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena, São Paulo

Página do Evento – www.livrariadavila.com.br

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