Desde os primeiros meses de vida, o brincar livre se relaciona ao cuidado, ao afeto, ao desenvolvimento físico e emocional sadio. É sobre este início que fala a especialista em educação infantil Suzana Soares. Autora do livro “Vínculo, Movimento e Autonomia – Educação até 3 anos” (omnisciencia.com.br), ela se dedica ao estudo da Abordagem Pikler, promove formações, consultorias e oficinas para educadores, pais e bebês no Ateliê Arte Educação e Movimento e em outros espaços. Suzana é Membro do Conselho Consultivo da Aliança pela Infância, da RNPI – Rede Nacional da Primeira Infância, da Rede Pikler Nuestra América e da Rede Pikler Brasil.
BRINCAR DE CORPO E ALMA, NOSSO PONTO DE PARTIDA
por Suzana Soares
Desde seu nascimento no Brasil, no início dos anos 2000, o movimento Aliança pela Infância investe na sensibilização sobre a importância do brincar livre. Sem a possibilidade da brincadeira e o que a promove, como tempo, espaço, convivência com a natureza, apoio dos adultos, ambiente pacífico, não é possível uma infância digna e saudável. O brincar livre favorece a iniciativa, a investigação, a autonomia, a criatividade e a socialização, e está ligado ao começo da vida.
Sabemos que desde que nascemos somos seres capazes de sentir, perceber e interagir. Mas em que momento a criança começa a brincar?
Quando o bebê descobre suas mãos, fica longos períodos a observá-las passando-as em frente a seus olhos, até que consiga ter certo controle sobre seus movimentos e pode segui-las com seus olhos, o que acontece em torno do segundo mês de vida. Aos poucos, ele vai percebendo que pode aproximar, afastar, abrir e fechar as mãos. Elas se tornam seu primeiro brinquedo.
Essa afirmação se baseia nas pesquisas da pediatra húngara Emmi Pikler, que trabalhou como médica de família e dirigiu o Instituto Emmi Pikler, em Budapeste. Nessa instituição, criada após a Segunda Guerra Mundial para abrigar crianças órfãs ou abandonadas de até três anos, trabalhou por mais de 40 anos e pode confirmar, por meio de observação constante e pesquisas científicas, suas ideias sobre o desenvolvimento infantil sadio.
Segundo a abordagem Pikler, a partir do terceiro ou quarto mês, quando o bebê começa a ficar mais tempo acordado, deve ser deitado de costas no chão, rodeado de alguns objetos simples, como um lenço, para que possa tocar, sentir, cheirar e colocar na boca.
Aos poucos aprenderá que pode pegar algo e soltar, sacudir, esfregar e golpear, que seus movimentos produzem efeitos sobre os objetos, que pode brincar com iniciativa e liberdade e se apropriar do mundo em sua volta.
Enquanto brinca livremente, o bebê descobre os pontos de apoio do corpo, que garantem a conquista de novas posturas e movimentos. Vira-se de lado, de bruços, arrasta-se, senta-se, engatinha, fica em pé e anda sem que o adulto precise interferir diretamente para que isso aconteça. Dessa forma vai encontrando por si só posições confortáveis para explorar os brinquedos.
Mas, para que o bebê se sinta seguro e confiante para brincar com autonomia, o adulto de referência precisa estabelecer um vínculo afetivo de confiança, o que, de acordo com Emmi Pikler, deve ser construído durante os momentos do cuidar.
Então, desde o início da vida, o brincar livre está associado ao cuidado com afetividade, ao desenvolvimento físico e emocional sadio.
Durante toda a infância, a partir do vínculo, a criança fará do ambiente ao seu redor um grande laboratório, resignificando os objetos que estão ao seu alcance, investigando, aprendendo, desenvolvendo seu corpo, sua inteligência e construindo sua personalidade.
Ao adulto cabe o papel de facilitador, sem dirigir a brincadeira, impor regras ou determinar a atividade. Percebendo o momento em que a criança está precisando de seu apoio, o educador pode incentivar, responder perguntas e ensinar certas coisas, como as regras básicas de convivência com outras crianças. Isso exige um bom conhecimento da infância e de cada criança, muita atenção e disposição.