A Semana Mundial do Brincar (SMB) não conta com atividades dedicadas somente às crianças. Diretores, coordenadores e professores também podem encontrar na programação de algumas localidades ações para debater a importância do brincar e suas nuances.
Depois de Recife, Curitiba, Florianópolis e Sapiranga, vamos relembrar no #BaúDaSMB o caso do Núcleo da Aliança pela Infância de Juiz de Fora, que realizou uma atividade formativa com o tema “Infâncias: brincar com a natureza como direito humano”.
A palestra foi organizada pelo Núcleo juntamente com o Fórum de Educação Infantil – Região Zona da Mata. Ana Rosa Moreira, membro do Núcleo e do Fórum, conta que desde o início do ano, a equipe do Fórum pretendia usar o tema do brincar em um de seus encontros. Essa vontade somou-se a sua percepção de que as creches de Juiz de Fora pouco utilizam áreas externas para suas vivências, apesar de esses espaços estarem disponíveis.
“As creches no Rio de Janeiro são muito cimentadas e verticalizadas. Mas aqui nós temos área verde. [A palestra] foi uma forma de sensibilizar para a questão do ‘desemparedamento’ e do contato da criança com a natureza.”
Cerca de 200 pessoas compareceram à palestra na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), entre estudantes de Pedagogia, especialistas que atuam com crianças, professores da UFJF, professoras de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Rede Municipal de Juiz de Fora, entre outros.
O evento contou com a presença das professoras Lea Tiriba, da UNIRIO, e Gisela Pelizzoni, da Escola Municipal José Calil Ahouagi. Uma das ações compartilhadas por Lea, que trabalha com formação de professores, é um projeto de extensão que tem a proposta de possibilitar que crianças de uma escola próxima à Praia Vermelha vivenciarem brincadeiras com a areia, água do mar e outros elementos da praia.
“A Lea roda o Brasil e o mundo falando dessa temática. Inclusive lançou esse ano o livro ‘Educação Infantil como direito e alegria – em busca de pedagogias ecológicas, populares e libertárias’. Como usamos nos nossos grupos de pesquisa e sabíamos que muitas professoras se interessam pelo tema, aproveitamos para fazer um lançamento aqui em Juiz de Fora”, explica Ana Rosa.
Por trabalhar com formação de futuros professores e também no programa de pós-graduação da universidade, Lea tem um viés mais voltado à pesquisa e, a partir disso, compartilhou com os presentes temas como o direito da criança ao brincar com a natureza para além do entorno, isto é, o ser humano como parte da natureza, como ser orgânico e parte de um todo maior: o cosmos, recuperando o pensamento do filósofo Baruch Spinoza.
“Nós vemos a natureza muito do lado de fora, como entorno. A Lea traz uma visão, que eu compartilho, que é um olhar indissociável entre a pessoa e o meio. Isso vem muito do conceito de Spinoza e Vigotski. Eles entendem o meio e a pessoa como uma unidade: a pessoa é parte da natureza mas a natureza também é parte da pessoa. Então na verdade nós somos natureza”, explica Ana Rosa.
A professora Gisela, por sua vez, compartilhou um pouco de sua vivência a partir de experiências poéticas que as crianças da Educação Infantil vivenciam durante brincadeiras nos espaços livres da escola, como pátio e gramado. “A Gisela vem trabalhando há bastante tempo com a questão da natureza. Na escola que ela trabalha, eles têm um tempo bastante alargado de recreio, então há uma valorização do brincar livre sobretudo do lado de fora, como na horta. Além disso, ela desenvolve inúmeros projetos de brincadeiras com gravetos, pedras e insetos.”
Ana Rosa conta que uma das ações compartilhadas pela professora foi um projeto sobre borboletas, no qual os alunos puderam acompanhar o desenvolvimento do animal e contar com a ajuda de uma profissional formada em biologia. “A Gisela trouxe um olhar explicando que, por meio dos projetos, podemos trabalhar aquilo que interessa às crianças. Nesse caso da borboleta, uma criança viu o casulo, eles começaram a acompanhar e foi se tornando uma coisa maior.”
Desenvolvimento humano e a natureza
Integrante do programa de pós-graduação em educação da UFJF, Ana Rosa desenvolve pesquisas sobre a organização de espaços. A partir desse viés, afirma que o confinamento a que bebês e crianças estão sujeitos atualmente trará grandes prejuízos para seu desenvolvimento.
“Nós trabalhamos muito com creches, e por uma vontade de controle sobre as crianças ou talvez um medo de elas se machucarem, as professoras preferem mantê-las dentro das salas ou, quando são muito pequenininhas, dentro dos berços. Isso vai trazendo prejuízos, porque acreditamos que os movimentos e a exploração do meio com as brincadeiras vão propiciar o desenvolvimento das crianças. Quanto menos experiências oferecermos a elas, menos recursos terão para desenvolver a sua potencialidade, tanto na questão cognitiva, emocional, social e psicomotora, mas também de um modo geral.”
Para exemplificar sua argumentação, Ana Rosa cita que, em outros países, mesmo em condições adversas como neve e frio, as crianças se agasalham e se protegem, mas estão sempre em contato com o exterior, enquanto que no Brasil há uma tendência de não aproveitar os recursos e espaços naturais e confiná-las.
“É um trabalho mesmo de formação, de mostrar o quanto isso é importante, porque a natureza nos constitui como pessoa. Nós vemos muitas vezes coordenadoras e diretoras pensando em levantar muros de concreto, cimentar a instituição ou trocar a grama natural pela sintética. Com isso nós vamos empobrecendo a nossa formação humana. Então é preciso retomar esse contato e mostrar o quanto o verde e o ambiente externo fazem bem para a saúde, não só física mas também psicológica. Nós que estamos na Aliança e no Fórum temos que lutar pelos direitos da criança, e um desses direitos é de brincar livremente.”