Por: Malu, publicado no site Na Pracinha
Professora universitária, engenheira e mãe da Liz, a Malu mostra nesse relato como o tema da Semana Mundial do Brincar 2017 também pode estar em pequenos detalhes. “O Brincar que encanta o tempo” propõe uma reflexão sobre o ritmo, o estímulo ao descobrir, explorar e o ser no tempo de cada criança. A reflexão aqui é como o silêncio dentro do ritmo diário pode trazer benefícios para o desenvolvimento dos pequenos. Vale a pena:
Nunca tinha me atentado ao tanto que falava com Liz até estudar Montessori. Nessa pedagogia (quase uma filosofia) um dos pilares da educação é o silêncio confortável. Um ambiente calmo e tranquilo deixa a criança livre para escolher o que verdadeiramente quer fazer e, quando encontra, concentra-se.
Começamos com pequenos passos – organizamos seus brinquedos e livros no sistema de rodízio com poucas opções para ela brincar. Percebemos que ela brincava mais tempo com o mesmo brinquedo nesse arranjo, e que poucas opções e um ambiente organizado a fazia brincar mais. Escondemos os cestos de brinquedos, que aqui em casa eram verdadeiros depósitos, e colocamos somente alguns dispostos em prateleiras de maneira organizada.
A música que sempre esteve presente em todos os momentos da nossa rotina, foi restringida para apenas os encontros musicais. Na maior parte, quando ela não era o elemento principal da brincadeira, o silêncio do ambiente foi a nossa escolha. Percebemos mais um passo nessa concentração. Sem distrações secundárias Liz começou a brincar sozinha por alguns segundos, depois alguns minutos, até um tempo considerável para sua idade. Ressalto que brincar sozinha não necessariamente é estar sozinha. Normalmente, quando percebemos essa concentração da parte dela, fazemos algo paralelo à brincadeira – lemos uma página de um livro, organizamos um pedaço do ambiente em silêncio, ou ficamos quietos mesmo, nos ocupando com algo não eletrônico.
E assim, finalmente, os momentos de silêncio surgiram e foram crescendo conforme o crescimento da sua concentração e vontade de brincar assim. Evidente que quando ela me chama para ver, ou para ajudar, ou para conversar, esse silêncio é quebrado e tudo bem, pois partiu dela. Ela quis interagir e brincar junto comigo. O que eu percebi nesse caminho de mudança era a minha narração constante da brincadeira e a minha insistência em ajudá-la em momentos que ela não queria minha ajuda. Me questionei que se eu também preciso de uma mesa de trabalho organizada e um ambiente silencioso para trabalhar, por que ela não precisaria para brincar?
Quando paramos de reproduzir comportamentos sociais comuns e olhamos a criança como um indivíduo único na busca de seu próprio conhecimento de mundo, paramos de nos sentir líderes tão imprescindíveis para tudo relacionado à criança e passamos a ser uma companhia nessa jornada, preparando melhor o ambiente e dando oportunidades para que ela descubra o mundo por si mesmo. Isso demanda uma transformação primeiro em nós, que naturalmente refletirá nela.
Por aqui esses momentos de silêncio contribuem muito para que Liz caminhe nas suas descobertas, nas suas tentativas e erros de uma brincadeira com calma, tempo e tranquilidade. E também faz a minha participação nas brincadeiras muito mais divertida e aceita por parte dela. Afinal, houve um convite para esse momento acontecer.