O que a cultura indígena nos ensina sobre estar em roda? 

30 de maio de 2024

Criança Indígena na Aldeia Tekoa Pyau. Foto: Monitor R7

Rituais, brincadeiras e aprendizados são transmitidos de geração em geração quando estão em círculo

Por Camila Salmazio

 

Todos os dias, os indígenas Guarani, da Aldeia Tekoá Pyau, localizada no Pico do Jaraguá, em São Paulo, se reúnem pela manhã para conversar sobre seus sonhos. A tradição da roda de conversa para interpretar as mensagens enviadas por Nhanderu (Deus) vem dos mais velhos e é seguida pelos mais novos da comunidade. 

É em roda também que eles dançam e celebram os guerreiros, no mês de agosto, na cerimônia chamada Xondaro para os homens e Xondaria para as mulheres. 

“Dançamos em roda para fortalecer as crianças e ajudar eles a crescerem e virarem guerreiros que vão lutar pela demarcação do nosso território”, conta Yvoty, de 29 anos, moradora da comunidade. 

Estar em roda faz parte do cotidiano dos Guarani. A formação que facilita a troca de olhares é um instrumento potente para fortalecer os vínculos da comunidade e transmitir os saberes. 

Na memória de Yvoty a roda está presente desde quando era uma curumim: “A tarde a gente se reunia na casa de reza e o meu avô contava histórias para gente ao redor da fogueira”, relembra ela sobre os ensinamentos de respeito a natureza que recebiam através das contações do cacique.

“A gente não tinha o que comer, mas estar juntos nos fortalecia, éramos crianças felizes”, conta.

A roda na escola indígena

Diferente das salas de aula com carteiras enfileiradas e séries separadas, na escola indígena as crianças fazem a maioria das atividades ao ar livre e juntas, independente da idade. “Quem quiser pode participar”, explica a educadora Tatiana ou Retemirin em Guarani, de 29 anos. No CECI (Centro de Educação e Cultura Indígena) Jaraguá, localizado dentro da aldeia, os portões da escola são abertos para a comunidade. Os aprendizados também acontecem na casa de reza, na cozinha comunitária, entre outros espaços compartilhados, para que as crianças aprendam a importância de seu território. 

A professora Cláudia ou Jaxuka em Guarani, 39 anos, é moradora da Aldeia Tenondé Porã, localizada em Parelheiros, extremo Sul de São Paulo. Por lá, é comum cantar cantigas de roda em Guarani para os mais novos, uma maneira de socializar e aprender a língua materna, antes mesmo do português. “São além de brincadeiras, tem a ver com toda a nossa cultura em si”, destaca a professora.

Entre a aldeia e a cidade

Em algumas comunidades mais afastadas, a oca ou casa é feita em forma circular, que facilita a circulação de ar. “O círculo vem desde os nossos antepassados”, explica Marilua Azevedo, mais conhecida como Lua Fulni-ô, percussionista e arte educadora. “A gente exercita a oralidade ao estar em círculo, para contar histórias e compartilhar as coisas.”

Lua é indígena urbana, mas já morou em algumas aldeias no Acre das etnias Huni Kuin, Yawanawa, Manchineri, Ashaninka e Kulina. Foi com eles que aprendeu o valor de estar nessa formação. “Eu via eles se reunindo assim para dar informações, para ensinar as crianças, para contar histórias e para fazer os rituais em volta da fogueira”, conta.  

Em sua arte, os ensinamentos de seus ancestrais aparecem nas rodas de samba que realiza com outras mulheres: “É um tipo de rezo, é muito forte e importante para nos fortalecermos”. Assim, público e artista se misturam: “A gente está no chão junto com eles e eu sinto a energia das pessoas”. 

A simbologia está presente também em outros trabalhos de Fulni-ô. “No teatro de rua a gente também faz a roda, com a proposta de circular a informação que queremos transmitir, mas também para as pessoas se olharem, isso é muito interessante.” 

A indígena acredita que o ritmo atual da sociedade faz com que a gente perca de vista a oportunidade de se reunir para falar e ouvir o outro “está tudo muito frenético hoje em dia”. Estar em roda também é uma maneira de alinhar o ritmo de vida das pessoas e garantir mais respeito e empatia. “Os jovens têm acesso a tudo que é quadrado, a TV, o computador, o celular, o cartão. O círculo, no sentido de olhar e se comunicar, a gente está perdendo, parece que essa essência está sumindo, precisamos resgatar”. 

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