Além de inúmeras notificações diárias sobre novos casos e centenas de mortes provocadas pela Covid-19, o Brasil recebeu com indignação, no início de junho, a notícia da morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco anos, ao cair do nono andar do prédio onde sua mãe trabalhava, em Recife. A criança foi deixada sozinha pela empregadora de Mirtes Renata para circular pelos elevadores do edifício.
A história que vitimou Miguel é mais uma que choca o país, como as do garoto João Pedro, no Complexo do Salgueiro, no Rio de Janeiro, morto dentro de casa em uma operação da Polícia Civil; e de Aghata, de oito anos, assassinada em uma batida da Polícia Militar no Complexo do Alemão.
Desde o ocorrido, algumas manifestações exigiram mais providências contra Sarí Mariana Côrte Real, que chegou a ser presa, mas foi liberada após pagamento de fiança. Artistas e políticos endossaram a hashtag #JustiçaPorMiguel em redes sociais e diversas organizações se pronunciaram sobre o caso.
A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), da qual a Aliança pela Infância é membro, publicou uma nota que cita o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e afirma a importância de crianças serem prioridade absoluta sempre, independente de sua identidade. O fato de que a mãe de Miguel teve que permanecer trabalhando, mesmo durante a pandemia e vigência de medidas como distanciamento social, e, por isso, não tinha com quem deixar seu filho, também foram pontos abordados pela nota, que convoca a população à luta e enfrentamento do racismo e violência contra crianças.
Confira abaixo a nota na íntegra.
“POR JUSTIÇA E HONRA AO MENINO MIGUEL
Criança, prioridade absoluta!
A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) vem a público manifestar seu
profundo pesar e indignação pela morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de cinco
anos, morto ao cair do 9º andar de um prédio em Recife no último dia 2 de junho.
Miguel estava aos cuidados da empregadora de sua mãe e foi deixado sozinho pela
empregadora em um elevador.
A RNPI solidariza-se com a dor da família de Miguel pela sua irreparável perda e
convoca os profissionais do Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do
Adolescente para que os fatos sejam rigorosamente apurados e a Justiça seja feita
para a devida responsabilização de tamanha negligência.
É importante destacar que este trágico episódio revela as diversas faces das
desigualdades, discriminações e das violações dos direitos humanos de crianças e
adolescentes no Brasil e, de modo especial, nas populações negras e pobres, em
detrimento do racismo e desumanidade exacerbada do sistema capitalista, que as
invisibilizam enquanto sujeitos de direitos.
Era dever moral e legal da empregadora zelar e proteger a criança, que estava
sob seus cuidados. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina no seu artigo 5º:
“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei
qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”. Assim como
o artigo 4º define que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes
à vida.
Este fato em si é representativo por escancarar o recorte racista e classista que
existe em nossa sociedade e denunciar as mais amplas e perversas reproduções de
práticas reacionárias e criminosas de épocas passadas. Denuncia ainda a falta de apoio
do Estado que não alcança mulheres e mães que são obrigadas a trabalhar durante
uma pandemia para levar o sustento às suas famílias e não têm com quem deixar seus
filhos.
A morte de Miguel é uma demonstração de quão pouco vale a vida de uma
criança negra e pobre no Brasil. Vivemos o racismo estrutural que faz da população
negra a principal vítima de homicídio no Brasil (com aumento de casos em todas as
faixas etárias, segundo o IBGE), a mais afetada pelo desemprego e pela baixa
escolaridade.
O que aconteceu com Miguel não foi uma fatalidade e deve nos indignar.
Causa-nos sofrimento, mas nos desafia a permanecer firmes na luta e no
enfrentamento ao racismo e à violência contra crianças. A RNPI reafirma seu
compromisso na promoção, garantia e defesa dos direitos da primeira infância e
repudia fortemente a naturalização de mortes de crianças.
#vidasnegrasimportam
#justicaparamiguel
#justicapormiguel
#nenhumamortemais
#bastadeviolencia”
*Imagem: Foto: Veetmano/AgenciaJCMazella / Ponte