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Amamentação: o primeiro ato de alimentação da criança no mundo

7 de agosto de 2020

Muitos especialistas e estudiosos afirmam que, logo depois de nascer, o bebê deve ser colocado no peito da mãe para mamar. Isso porque o colostro, o primeiro leite produzido quando começa a amamentação, é rico em proteínas e nutrientes e começa a proteger o bebê desde as primeiras horas de vida. A amamentação, portanto, constitui a primeira forma de alimentação do ser humano no mundo. Com o seu desenvolvimento, serão introduzidos outros alimentos em sua rotina, para possibilitar um desenvolvimento pleno durante a infância e nas fases seguintes da vida. 

Uma mobilização realizada anualmente é Semana Mundial do Aleitamento Materno, com o objetivo de celebrar, divulgar e conscientizar sobre a importância de garantir que bebês e crianças possam ser amamentados. Por isso, o oitavo mês do ano ficou conhecido como agosto dourado. Gancho ideal para a nossa Semana do Comer, que se inicia na próxima segunda-feira (10).

Para aprofundar a compreensão sobre a importância do leite materno para o desenvolvimento do bebê e abordar como o ato de amamentar é carregado de outros significados além da nutrição, a Aliança pela Infância conversou com Fabíola Cassab, cofundadora do Matrice, grupo criado em 2005 que reúne mães atuantes em prol do aleitamento. Confira a seguir. 

Aliança pela Infância: Todos sabemos que a amamentação é de fundamental importância para o desenvolvimento pleno de bebês e crianças. Entretanto, o Matrice costuma dizer que a amamentação não garante, e sim promove o vínculo. O que isso quer dizer? 

Fabíola: Quer dizer que você não precisa amamentar para garantir o vínculo, mas a amamentação ajuda. Citando Cesar Victora [epidemiologista brasileiro, especialista em nutrição e saúde materno-infantil], queremos dizer que o aleitamento é uma ação positiva que vai nutrir psicologicamente e vai gerar um vínculo, fazendo com que essa mãe reconheça o bebê como sua parte, além de fazer com que o bebê fique mais próximo da mãe, afinal, não é possível terceirizar esse cuidado. A amamentação permeia várias interfaces e ajuda a vincular mãe e bebê. 

Aliança pela Infância: Uma publicação do Matrice cita que chegamos até aqui enquanto humanidade porque somos mamíferos que amamentamos e somos amamentados, e que isso não nos desqualifica como seres inteligentes. Ainda há um tabu acerca da amamentação? 

Fabíola: Hoje mesmo participei de uma discussão em um grupo do qual faço parte. Uma mãe contava a história de uma criança de três ou quatro anos que mamava e pedia apoio das outras mulheres. Ela foi muito criticada. Várias falaram ‘o seu leite não tem mais nada’, ‘meu filho mamou até os três meses e já está ótimo’. Virou uma discussão enorme. É como se as pessoas que insistem em amamentar tivessem alguma questão emocional ou intelectual. Já ouvimos também frases como quem amamenta criança grande o faz por não ter dinheiro para comprar fórmula. O Cesar Victora fez uma revisão sistemática que mostra que, em países desenvolvidos, pessoas que amamentam por mais tempo têm maior grau de escolaridade e maior renda per capita. Então fica claro que a amamentação é, sim, permeada por alguns tabus até hoje. A indústria do leite é muito forte, então é muito fácil de as pessoas acreditarem que se tiver dinheiro para comprar uma fórmula, o filho estará melhor alimentado.

Aliança pela Infância: Considerando que existem cursos de especialização destinados a médicos que são patrocinados por grandes empresas produtoras de leite, por exemplo, o que você considera que falta para a chamada cultura da amamentação? Faltam informações, divulgação, diálogo?

Fabíola: Faltam algumas coisas e em outros pontos o Brasil é bem avançado. O índice de aleitamento subiu bastante nos últimos 30 anos. Políticas integrativas que envolvem promoção, proteção e apoio do aleitamento conseguem ajudar muito nisso. Mas, por exemplo, faltam políticas dentro de algumas categorias de classe, como orientar equipes que ensinam sobre amamentação, além do incentivo a grupos de mulheres de aleitamento, algo raro no Brasil. Não existe fomento do Estado para que a sociedade se organize dessa forma. Existe um discurso que há esse incentivo, mas, na prática, não tem nenhuma política que ajude a sociedade a se organizar. Por outro lado, tem uma sociedade de classe organizada como a Sociedade Brasileira de Pediatria que tem uma postura antiética à medida que recebe patrocínio de empresas produtoras de leite e ensina pediatras, por exemplo, a manejar a fórmula e não o leite materno. Então, o Estado tem uma política mas, na prática, há atuação de alguns profissionais que, muitas vezes, acabam atrapalhando as políticas públicas.  

Aliança pela Infância: Manter única e exclusivamente o leite materno até os seis meses de vida do bebê não é uma opção para muitas mães. Recentemente vimos uma publicação da Júlia Rocha, defendendo que amamentar é um ato político. O que está envolvido nessa concepção? 

Fabíola: Acredito que a amamentação é até mais do que um ato político. Uma mãe de classe média, por exemplo, com muitos poderes financeiros, e uma mulher em uma situação mais vulnerável, podem amamentar, independente da classe social que elas pertencem e de sua escolaridade. O leite de uma é tão bom quanto de outra. Não existe diferença entre o leite de uma mulher que só come produtos orgânicos, produtos importados ou de uma que come só produtos industrializados. Além disso, eu posso amamentar mesmo que tenha sido aconselhada a não fazê-lo, não preciso de autorização. À medida que eu me posiciono e amamento, eu digo para a sociedade que a mulher tem o poder de produzir o melhor alimento para seu filho. Então amamentar vai contra o consumismo: não preciso consumir ou possuir nada para amamentar. É um ato político de se posicionar, de dizer para as indústrias que elas precisam trabalhar dentro de marketing devido, de colocar uma parte do meu corpo para fora, utilizado como um símbolo sexual em muitas culturas, mas que tem uma função orgânica de alimentar uma criança. 

Aliança pela Infância: Outro assunto delicado diz respeito à forma como o mercado de trabalho acolhe e respeita mães que estão em período de amamentação. Muitos perdem seus empregos ou deixam de amamentar, não? 

Fabíola: A volta ao trabalho pode, sim, ser um empecilho, mas se a mulher tiver apoio do local onde ela trabalha, talvez consiga continuar com o aleitamento materno. Com o apoio correto, a amamentação pode conseguir continuar. Tem pessoas no Matrice que trabalhavam longas jornadas por dia e ainda assim conseguiram, porque tinham estoque de leite. Se a mulher for bem orientada para fazer esse estoque e tiver condições para tirar o leite na volta ao trabalho, ela vai conseguir continuar amamentando. Por isso também que é um ato político, no sentido de a empresa precisar ter uma política apoiando mulheres dentro da faixa reprodutiva. A partir de estudos já publicados, sabemos que mulheres acolhidas no seus empregos são mais produtivas e tendem a sair menos da empresa. Mas acredito que a pandemia vai mudar muita coisa e muitas mulheres vão ficar em regime de home office por mais um tempo. 

Aliança pela Infância: O que o Matrice considera um processo natural na transição do peito para outras comidas? 

Fabíola: A introdução alimentar vem a partir dos seis meses, mas isso não impede que a amamentação continue. Aqui em casa, minha filha parou de mamar com muitos anos de amamentação, quando já comia tudo. Começar a dar comida para a criança é um primeiro desmame, o que geralmente começa a partir do sexto mês, com alimentos da época e da região. Se estou aqui em São Paulo, por exemplo, daria arroz e feijão. Em Manaus, começam a dar açaí para os bebês. Em Florianópolis, é peixe fresco. Entretanto, a criança não vai sair comendo pratos de comida. Ela vai experimentar uma alimentação, experimentar outra. Algo muito comum de acontecer é a mulher fazer uma comida natural e a criança não comer logo de cara. E então ela parte para uma comida industrializada que tem açúcar e óleo, ou para o leite artificial cheio de açúcar, e aí o paladar das crianças às vezes aceita mais rápido. Nós tentamos trabalhar com as mulheres que as crianças demoram para fazer essa fase de transição, que deve ser bem tranquila e lenta mesmo.  

Aliança pela Infância: Quando a criança deixa de mamar no peito, como é possível manter os vínculos e afetos a partir da alimentação?

Fabíola: Cozinhar é realmente uma das melhores maneiras para isso. Eu cozinho com a minha filha de 15 anos até hoje. É possível envolver a criança desde a compra da comida na feira ou no mercado, onde ela pode escolher o alimento, montar o cardápio e cozinhar contando a história da comida. A alimentação é uma socialização e uma oportunidade de vínculo dessa família pois conta a história do alimento, da casa, da família, e, assim, promove afetividade entre as pessoas. É muito diferente de fazer um arroz com brócolis que minha filha come desde pequena, do que comprar uma comida congelada e colocar no microondas. 

*Imagens: Freepik, acervo pessoal Fabíola Cassab e Divulgação Instagram.

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