Por Mayara Penina
Conversamos com a pedagoga Teresinha Klain Moreira do GEEPAZ (Grupo de Estudos Educação para a Paz e Tolerância) sobre como promover a cultura de paz no dia a dia
“Brincar, conviver, confiar” é o tema da Semana da Infância e Cultura de Paz (SPAZ) de 2022 com ações, inspirações, experiências e mobilização coletiva sobre a importância do brincar e da infância na perspectiva da cultura de paz e da não violência.
Essa abordagem reconhece que a cultura de paz está associada ao desenvolvimento infantil pleno e digno, num contexto ambiental e social harmonioso, no qual crianças e adultos possam atuar no mundo a partir de valores de cooperação, tolerância, respeito, empatia, acolhimento e não violência.
Mas, como a cultura de paz acontece no dia a dia, nas casas das crianças e suas famílias, nos mais diversos contextos brasileiros? Para responder a esta pergunta, conversamos com a pedagoga Teresinha Klain Moreira, conselheira do Conselho Municipal de Cultura de Paz de Campinas (SP). Ela é mãe, e avó e foi coordenadora pedagógica por mais de trinta anos.
Aliança pela Infância: A cultura de paz também está associada ao desenvolvimento infantil pleno e digno. Pensando em crianças que vivem em contextos vulneráveis, como podemos trazer a discussão da cultura de paz possível, como encontrar um ambiente harmonioso neste contexto?
Teresinha Klain Moreira: Quando o Manifesto 2000 da Unesco para a cultura de paz foi construído ao longo de anos por muitas mãos, ele visava a garantia de direitos das crianças, tanto para o seu desenvolvimento pleno, quanto para que o mundo que as cerca as protegesse e desse todas as condições para que tivessem uma vida digna, saudável e socialmente respeitosa. Temos ao redor do mundo, exemplos incríveis de ações pela cultura de paz, mesmo em áreas muito vulneráveis, o que nos faz acreditar que não são as condições, mas a intencionalidade das ações que se traduzem em mudanças positivas de atitudes e valores. Veja que são princípios que cabem em qualquer que seja o lugar e o contexto, vulnerável ou não. O que falta, 22 anos depois, é praticá-los!
Aliança pela Infância: Vivemos em um mundo cada vez mais acelerado em que os pais têm cada vez menos tempo com as crianças. Como promover a confiança das crianças com suas famílias, que muitas vezes só tem uma mãe para dar conta de tudo?
Teresinha: A realidade da maioria das famílias é ter pouco tempo e por enquanto não há como mudar essa realidade, então vamos lidar com isso. É preciso cuidar para que este tempo seja valioso e a autoridade dos pais seja amorosa, mostrando aos filhos que confiam neles. A reciprocidade da criança em confiar nos pais começa por gestos simples, como delegar a ela tarefas cotidianas, ajudar a lavar a alface para o jantar e elogiá-las pelo seu feito. Pedir que ela chame o irmãozinho para jantar e agradecer pela sua ajuda. São infinitas as possibilidades dentro de uma rotina familiar onde todos se apoiam. Outro aspecto que fortalece a confiança é a forma como a família acolhe um erro da criança. A criança conta para os pais que quebrou alguma coisa e a reação dos pais é de chamar a atenção de forma rude e enfática, a criança tende a não contar mais nada, por medo da bronca que virá. A confiança fica fragilizada. A criança se vincula afetivamente a um adulto que a respeita e confia nela. Assim a conexão é fortalecida e o ambiente se torna educador para a paz.
Aliança pela Infância: Vemos a violência muito normalizada em ambientes que as crianças nas cidades frequentam e produtos que consomem, como desenhos animados com violência na televisão. Como discutir cultura de paz neste contexto?
Teresinha: A cultura de paz não tem sido pauta de discussão, mesmo com toda a sua relevância. Ela é uma construção coletiva, baseada em princípios e valores que deveriam reger os relacionamentos, as atitudes e o protagonismo para assegurar uma vida harmoniosa e respeitosa. Da mesma forma, a cultura da violência tem sido construída e infelizmente assimilada pelas crianças no cotidiano das relações, começando pelas formas de comunicação nos diálogos intrafamiliares, nos gestos e nas atitudes, passando pela banalização veiculada pelos meios de comunicação, como a TV aberta que chega em todos os lares.
A Classificação Indicativa para mitigar a violência e temáticas impróprias ao universo infantil na programação da televisão, foi um esforço iniciado há algum tempo, mas muito mal conduzido, uma vez que não são especialistas na cultura da infância que conduzem esse monitoramento. Outro ponto de atenção é que a maioria das famílias não limita o tempo da criança diante das telas e tampouco a qualidade do que ela deveria assistir. Esse cuidado responsivo no manejo das telas e nas interações pessoais pacíficas é, no meu entendimento, a luz no fim do túnel que revela esta realidade violenta, hoje tão presente no universo infantil.
Aliança pela Infância: Como podemos debater, famílias e educadores, para que a cultura da violência não seja normalizada?
Teresinha: Como em toda construção coletiva, cada um contribui com uma forma de tratar esta temática que viola, sobretudo, os direitos das crianças. Pensar em famílias e educadores juntos já é uma das soluções. Potencializar o brincar livre, a exploração de áreas ao ar livre e em contato com a natureza tiram o foco da criança desta realidade contida em telas e em espaços restritivos. A criança precisa e pede limites, que contribuem para sua autonomia, sua segurança, a sua leitura de mundo e, principalmente, para a sua autorregulação diante de alguma situação violenta que a desequilibre e a impacte. Há realidades distintas em lares, escolas e demais ambientes que a criança interage, mas em todas elas a união dos atores para pensar juntos soluções diversas, para pessoas diversas, sempre será o melhor caminho.
A cultura de paz com que sonhamos e em que acreditamos deve ser cultivada para que, a partir da garantia de direitos básicos da infância, cresça, evolua, proteja todos os povos e nossos olhares para um futuro não violento.