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Ioga e atividades circenses são opções simples e acessíveis para trabalhar o brincar livre na infância

3 de abril de 2019

Em 2019, a Semana Mundial do Brincar, mobilização anual da Aliança pela Infância, tem como tema “O brincar que abraça a diferença”, em um amplo espectro temático. Uma das discussões trata dos ‘Repertórios diversos do Brincar’ ao apontar que a diversidade que está na sociedade também precisa estar nas possibilidades de brincadeira que o adulto oferece à criança. Nesse sentido, é também papel dos adultos possibilitar tempo e espaço adequado e seguro para que elas possam vivenciar experiências diversas.

A diversificação de atividades, a partir de uma série de propostas de movimentação corporal e interação, possibilita que as crianças se beneficiem do ato de brincar em sua totalidade. Ou seja, uma simples brincadeira pode promover o desenvolvimento emocional, intelectual e de habilidades físicas.

O leque de possibilidades é imenso – e talvez não muito óbvio. Em alguns casos, as propostas podem até mesmo ser uma adaptação de atividades direcionadas em um primeiro momento a adultos. É o caso da ioga. Apesar de trabalhar a postura, de treinar técnicas de respiração e até de meditação, a ideia é propiciar momentos de prazer e autoconhecimento. Essa é a proposta central do trabalho  da educadora Renata von Poser, uma referência no assunto.

Definida como “uma prática educativa fundamentada nos valores filosóficos da ioga que se propõe a criar vivências lúdicas para desenvolver o autoconhecimento e promover valores”, a BrincaYoga é a metodologia educativa que Renata usa com crianças, adultos e famílias.  A partir de atividades com cirandas, músicas, histórias e técnicas de respiração, relaxamento, massagem e meditação, o objetivo é fortalecer vínculos e promover valores como amor, respeito, cuidado, generosidade, compaixão, paciência e união.

Mestre em comunicação social e formada em ioga pela International Sivananda Yoga Vedanta Centers (Canadá), Renata explica que trata-se de uma metodologia que trabalha preceitos da não violência, incluindo valores como respeito, confiança, escuta, empatia e paciência. “Nós precisamos promover na prática todos os conhecimentos que queremos passar para o grupo. Não adianta desenhar a bandeira da paz se na hora de um conflito esse conceito não é aplicado. Os valores precisam ser postos em prática a todo momento com pequenas atitudes”, ressalta.  

Além de ser um ensino lúdico que promove valores, dois fundamentos da BrincaYoga, a prática também é caracterizada pelo protagonismo, ou seja, o fato do educador que conduz uma aula ou vivência permitir que cada criança envolvida possa ser a protagonista de um determinado momento. “Na minha aula, o protagonismo significa que todo mundo tem tempo para falar, seu espaço para se expressar, porque a Brincayoga tem essa preocupação de todo mundo poder brincar. Por isso ficamos sempre em roda para que todos possam desenvolver o aprendizado e se expressar.”

Como cada prática é fundamentada por um conceito e esses estão todos interligados, o protagonismo acarreta o sentimento de pertencimento. “Isso falta muito na nossa sociedade hoje em dia. São práticas que começam na infância para nutrir o grupo nesse lugar de união, protagonismo, onde todos são ouvidos e têm espaço para se expressar. Se promovida e orientada para incluir todo mundo, a brincadeira promove esses valores, diferente das brincadeiras competitivas, onde vence sempre o melhor, mais rápido, mais alto. Eu acredito que esses jogos são muito bons para educação física, mas na BrincaYoga usamos a brincadeira para o desenvolvimento do grupo enquanto entidade social”, explica a educadora.  

A parte prática do BrincaYoga consiste em variações de brincadeiras tradicionais, como pega-pega, estátua, acrescidas de técnicas de respiração e postura. “Antes da técnica acontecer, explicamos como é a postura e alinhamos. É uma maneira lúdica de passar os conteúdos corporais, de brincar com o próprio corpo”, reforça Renata. Além disso, afirma que é preciso desmistificar o pensamento de que meditação é ficar sentado de olhos fechados, quando há um leque de possibilidades para trabalhar essa ação. “A meditação é uma ginástica da mente. Há várias práticas lúdicas entre jogos e brincadeiras para estimular o foco e concentração, como massagem, ouvir uma história, dançar ciranda, fazer respiração consciente e jogos de estímulos sensoriais.”

Diversidade e acesso

Para aqueles que pensam que aplicar conceitos de ioga com crianças é uma realidade distante de muitas famílias e escolas brasileiras, a educadora explica que a BrincaYoga pode ser vivenciada de duas formas. Uma opção é como atividade extracurricular, com um espaço específico para a prática. Outra é na escola mesmo. Nos dois casos, não são necessários grandes investimentos em termos de materiais. Renata explica que um espaço grande para formar uma roda e colchonetes para deitar são pontos importantes, além de materiais de artes, como canetas e massinhas.

“Eu já fiz vivências em escolas e afirmo que dá para trabalhar ioga dentro da própria sala de aula, porque a ioga é muito vasta, é uma filosofia de vida, não é só postura e malabarismo com o corpo. Dá para fazer, por exemplo, com as crianças sentadas nas cadeiras da sala, com pequenos alongamentos, uma respiração e exercícios de concentração com olhos. Isso pode acontecer cinco minutos antes ou depois do intervalo, por exemplo”, afirma Renata.

Seguindo essa lógica, a educadora explica que acredita que não se trata de falta de capacitação ou de recursos para aplicar a ioga em escolas, e sim falta de conhecimento. Com mudança e adaptação de práticas do dia a dia, é possível oferecer experiências ricas às crianças. “Se os professores tiverem um olhar apurado para as competências socioemocionais e práticas de meditação, poderiam fazer muita coisa. É possível propor uma atividade de modelagem de massinha com música alta ou com uma experiência com música clássica, as crianças de olhos fechados e em silêncio. É a mesma modelagem de massinha. Uma atividade de recorte pode ser feita com pressa, cada um sentado na sua cadeira, ou sentados em roda, em silêncio, com a professora observando com atenção como cada um manuseia os objetos. Na Educação Infantil é muito simples de inserir uma prática de ioga, pois não se trata só de postura e sim meditação, respiração, relaxamento, concentração”, explica.  

Por isso, pequenos investimentos ou a redescoberta de materiais e equipamentos que muitas escolas já têm, como caixas de som e colchonetes, ajudam a diversificar as vivências para crianças. “É possível fazer ioga dentro das escolas. Com uma pequena capacitação dos professores. É possível orientar o que já está sendo feito e proporcionar esse estado de quietude e paz interior para as crianças.”

Palhaços e palhaçadas: o circo como atividade lúdica  

Patrick Nogueira, gestor da Associação Centro Cultural Viva e membro de três núcleos do Rio de Janeiro da Aliança pela Infância – Teresópolis, Nova Friburgo e Duas Barras -, representa outra possibilidade dentro do amplo universo que é o brincar. Formado e atualmente professor da Escola Nacional de Circo, Patrick aposta em atividades lúdicas, relacionadas principalmente à figura do palhaço.

Seu interesse pelo tema começou com pesquisas sobre a figura do palhaço, presente no teatro e no circo, e da cultura popular. “A partir daí cheguei na questão dos brinquedos e brincadeiras e no palhaço enquanto artista brincante. Toda nossa ação de trabalho está relacionada a esse universo da ludicidade, do brinquedo popular, da cultura da infância, literatura e do circo”, explica.  

Ao contrário da vertente contemporânea do circo, que aposta em acrobacias e no preparo físico, o trabalho desenvolvido pelos núcleos usa a linguagem do circo de rua, com monociclos, equilibrismo, malabarismo, perna-de-pau, cenas clássicas do palhaço e organização em roda, que preza pelo acesso democrático à arte e interação com a plateia.

Os eventos que acontecem em praças e espaços públicos também podem se dar em escolas. Nessas ocasiões, Patrick conta que entre as atividades estão oficinas de brinquedos, como malabares com bolas, bastões e argolas. “Enquanto o circo contemporâneo tem a questão artística e esportiva, somos muito ligados à ludicidade, ao imaginário, à poesia da linguagem circense. Nas oficinas, construímos os brinquedos populares que possibilitam a prática das crianças montarem seu próprio brinquedo, como barangandam, corrupio, mané gostoso e bolhas de sabão.”

Patrick argumenta que uma das crenças que os núcleos têm é a de usar a brincadeira e ludicidade como caminho para alcançar as pessoas, resgatar memórias de infância, desenvolver uma consciência e identidade coletiva. “Quando atingimos o outro com as nossas práticas, conseguimos de alguma forma trabalhar a questão social, o desenvolvimento humano e cultural e a cultura popular no sentido da busca da identidade. Buscamos o lado afetivo das relações. As vivências estão de alguma forma criando vínculos. Sempre usamos um enfoque não tão acadêmico e didático, mas sim uma prática que acreditamos que seja o mais humana e transformadora. Acreditamos que através da ludicidade, da brincadeira e do afetivo é a única forma de deixar a mensagem que queremos.”

Mas como tudo isso impacta as crianças? Segundo Patrick, todas as palhaçadas e brincadeiras, além de ter esse lado lúdico, também ajudam no desenvolvimento da concentração e persistência para fazer malabarismo, por exemplo. Diversas atividades do circo requerem habilidades motoras, superação de suas dificuldades, autoconhecimento do próprio corpo e equilíbrio.

Além disso, todas as práticas trazem consigo questões sociais. No caso das oficinas de construção de brinquedos, Patrick ressalta o movimento de desligar as crianças do consumismo. “Nós nos preocupamos muito com essa questão da indústria cultural, da massificação, do capitalismo que busca nas crianças um mercado consumidor. Queremos mostrar o outro lado do brinquedo. Não aquele brinquedo que você coloca pilha e ele brinca sozinho, e sim um brincar mais colaborativo, menos competitivo e mais sadio, ao ar livre em uma praça”, explica.

 

*As fotos que ilustram o texto pertencem ao acervo de Renata Von Posser. 

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