Inspirações e experiências

2024

Além das carteiras: como as configurações circulares podem revolucionar contextos de aprendizagem

15 de março de 2024

Pode começar nas escolas, mas também se expande para as casas: como promover práticas que se baseiam na promoção de um ambiente mais inclusivo, colaborativo e democrático? 

Em um mundo que avança rapidamente rumo à inovação tecnológica e enfrenta os desafios de reconstrução no pós-pandemia, a educação se mantém firme como campo fértil para repensar práticas e reimaginar espaços de aprendizagem. A configuração física das salas de aula, por exemplo, um aspecto muitas vezes subestimado, assume um papel fundamental nessa transformação. 

O tradicional enfileiramento de carteiras, símbolo de um modelo educacional ultrapassado, vem sendo questionado por educadores que veem nas salas uma oportunidade para revitalizar estruturas que possam promover uma dinâmica onde cada participante seja visto e ouvido, estimulando a interação, o engajamento coletivo e uma conexão mais profunda tanto com o conteúdo quanto com os colegas. 

Esse arranjo não apenas facilita o contato visual e o reconhecimento mútuo, mas também celebra a diversidade e fortalece o senso de comunidade, essenciais para o desenvolvimento de um ambiente educativo empático, inclusivo e, sobretudo, humano.

Isso também é afirmado por Claudia Siqueira, que atua há mais de 30 anos na área de Educação. Claudia é historiadora e pedagoga, pós-graduada em Aperfeiçoamento de docentes de Educação Infantil e Ensino Fundamental, pela PUC, e em Pedagogia de Projetos e Tecnologias Educacionais, pela USP. Cursou especializações sobre Educação em Harvard e na Universidade de Stanford (ISTEP). Atualmente, é diretora da Escola Castanheiras  e do Instituto Castanheiras, uma associação sem fins lucrativos. 

Ela critica o tradicional enfileiramento em salas de aula que limita a interação e o engajamento, defendendo a disposição em círculo que facilita o contato visual, o reconhecimento mútuo e a expansão da consciência emocional e social. 

Se a gente for pensar na situação formal de aprendizagem, o enfileiramento de carteiras, por exemplo, não potencializa o diálogo. Porque quando se tira a oportunidade de colocar todo mundo para se ver, não tem os olhos que se encontram, os corpos que se reconhecem. Ao se olharem uns aos outros, você amplia a área de visão e aflora emoções, porque ‘eu estou vendo o outro como se comporta’. mas se enfileira todo mundo, e como se tirasse essa potência, a potência do aprender, a experiência que passa também pelo corpo, do aprender que não é uma domesticação de almas”, explica.

Claudia sublinha a relevância dos círculos de aprendizagem como ferramentas poderosas para fomentar a comunicação, a colaboração e a compreensão mútua, fundamentais para a construção de uma cultura de paz. Ao priorizar a conexão, o respeito pela diversidade e a inclusão, os círculos de aprendizagem oferecem um caminho promissor para educar as futuras gerações de maneira mais consciente, empática e pacífica, alinhados com os valores de humanidade e solidariedade.

Como você pode trabalhar com uma criança sem se conectar genuinamente com ela? Olhar nos olhos dela, seu afeto. Já sabemos que essa organização é necessária para que a criança consiga estar ali, poderosa, sendo colocada. Acho que é um desafio para a escola”, conclui. 

Fora das salas, as rodas se expandem

A implementação de estratégias inspiradas em círculos pode ser uma maneira revolucionária de enriquecer a experiência educativa fora do ambiente escolar tradicional. Em casa, por exemplo, isso pode se reproduzir através de uma conversa em família como oportunidade de diálogo e interação onde todos sejam vistos e ouvidos.

Essa organização não só potencializa o diálogo e a conexão humana, mas também ressalta a importância da experiência sensorial e holística para as crianças, permitindo que se engajem plenamente e explorem o mundo de maneira mais integrada e significativa.

O que a gente chama de brincar, para eles, para as crianças, é ciência. Porque eles estão se apropriando do mundo através desse toque, através da mão, através do cheiro. Então, tem alguém que usa mais os sentidos do que a criança? A gente não pode tirar essa questão da experiência holística no processo de aprendizagem”, salienta Claudia. 

Neste contexto, atividades cotidianas podem ser boas oportunidades de aprendizado, profundas e significativas. Isso pode incluir ver um filme juntos e conversar sobre ele, cozinhar algo em família e compartilhar os cheiros, sabores e texturas dos alimentos ou aproveitar o tempo em atividades ao ar livre, como jardinagem, que envolvem o contato coletivo com a terra e a natureza, estimulando os sentidos enquanto ensinam sobre a importância do cuidado com o meio ambiente. 

Essas experiências, enraizadas na vivência e na exploração sensorial, não só enriquecem o conhecimento prático e teórico, mas também fortalecem as conexões emocionais e sociais. Afinal, o uso dessas estratégias em casa colabora com a construção de um ambiente seguro onde os erros são vistos como oportunidades de aprendizagem e o respeito mútuo é a base da interação. Isso significa criar um espaço onde as crianças se sintam confiantes para expressar suas ideias, explorar sua curiosidade e desenvolver suas habilidades sociais e emocionais em um contexto de apoio e aceitação. 

A roda na proteção de direitos

Gabriela Morais, baiana, mãe e professora, é membro da Sociedade Antroposófica no Brasil e cofundadora do Ramo Raphael de Lauro de Freitas. Ela atua na Iniciativa Pedagógica Ludwig Eckes, na zona rural de Inhambupe, onde se depara frequentemente com crianças em situações de vulnerabilidade, enfrentando maus tratos, abusos e desnutrição. Na comunidade onde sua escola está inserida, há, ainda hoje, um volume grande de crianças em situação de vulnerabilidade social, insegurança alimentar e que sofrem diversos tipos de violência. 

Nesse contexto desafiador, Gabriela coloca a escola como um refúgio seguro, evidenciando a transformação que um ambiente cuidadoso, dialógico e adaptativo pode gerar. “Vemos as consequências das violências vivenciadas pelas crianças no comportamento desafiador e no emocional fragilizado que elas demonstram. Por outro lado, é notório como a escola pode se tornar um espaço seguro e que inspira a confiança dessas crianças. Um trabalho tecido com muito cuidado, diálogo e mudança de hábitos”, comenta.

A educadora acredita que mesmo as crianças mais desafiadoras podem ser conduzidas com muita conversa, escuta, arte, movimento e contato com a natureza. Para isso, destaca o significado do brincar livre, de uma alimentação saudável, de uma educação ética e respeitosa, e da proteção de direitos, para que todos possam se expressar e construir novos mundos possíveis. E realça como práticas pedagógicas que explorem momentos em roda podem favorecer a construção de um ambiente de confiança.

Uma sala de aula em roda pode ser uma oportunidade para resgatar nossa ancestralidade, reforçando a igualdade, a inclusão e o senso de pertencimento, elementos fundamentais para o desenvolvimento social e emocional das crianças, especialmente em contextos de vulnerabilidade,” comenta Gabriela. 

A educadora, que também é parceira do núcleo Sapiranga da Aliança pela Infância, reforça como as rodas em sala de aula podem promover um arranjo de visibilidade mútua, a escuta atenta e uma sincronia entre os participantes. Nesse nível, para Gabriela, é possível ajudar as crianças a se perceberem e perceber o outro, além de alimentar o pertencimento que cada um precisa sentir para estar bem no grupo. 

Em roda podemos celebrar a alegria do encontro, do respeito ao jeito do outro, da temperatura, do ritmo de cada um. Em roda parece que fica mais fácil confiar pois todos estão em iguais possibilidades de existência. Para mim, a roda exprime um jeito de ser na vida. Quando as coisas estão difíceis, uma roda cai bem, pois todos se vêem e a escuta parece ficar mais propícia. E com crianças não é diferente: em roda elas se enxergam, dançam, sincronizam”, afirma.

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