Inspirações e experiências

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“O que em nós ainda brinca?”, reflita com Stela Barbieri

22 de abril de 2016

Brincar é estado de quem vive vigorosamente em constante transformação. Para estes, todos os espaços são potências de invenção. Falamos de um brincar repleto de movimento, que ocupa o espaço e habita o lugar, faz barulho e traz deslocamentos para todos que participam dele. Lugar que se desdobra em um tempo que se torna visível.

O que define um espaço como lugar é ele ser habitado. Habitar significa poder ser singular, se relacionar em uma dimensão onde a memória e a invenção se encontram em uma narrativa em tempo real, no tempo da experiência. Desde sempre, as crianças querem experimentar – são movidas por esse desejo –, e o fazem com um corpo vivo em que, do fio de cabelo até o dedão do pé, tudo se expressa e percebe de modo sinestésico.

Perceber o mundo não é olhar para uma imagem, mas estar imersivamente sentindo o que o lugar traz, quando as coisas mais inúteis se tornam elementos preciosos das brincadeiras. Em cada um de nós existe o espírito do brincar, que às vezes precisa ser acordado para, com as crianças, aprender a Vida Nova que se faz inaugural a cada momento.

Quando saímos pela rua, tantas coisas nos chamam a atenção. Os sons dos grilos, das cigarras, dos carros; os movimentos das pessoas; as nuvens passando no céu; as árvores se balançando… Janelas nas casas e nos prédios trazem a dimensão de que diferentes vidas ocupam aquele lugar, e as crianças podem brincar com suas ideias e seu corpo nas ruas, que cada vez mais são tomadas pelos carros.

Só por meio da colaboração entre as pessoas, a rua pode ser um lugar de brincar. Podemos olhar para a cidade como um convite para ocupar o espaço. Uma cidade que reintegra o sensível em cada pedacinho – nas praças, calçadas e no olhar das pessoas – que, ao acolher o brincar, cria outra trilha sonora, as cantigas ocupando o ar, dando outro ritmo aos deslocamentos.

Brincar na cidade é experimentar um ambiente complexo de aproximações que se revelam numa investigação de possibilidades sem fim, alquimia de sentidos, de paradoxos, de potências e vetores que atingem cada um de nós – e as crianças não estão alheias a isso. Tudo ao mesmo tempo agora, a cidade não para. Ela nos invade, mas também nos convida a fazermos dela um lugar diferente, um lugar de brincar junto, de estar junto, um lugar das relações.

As amarelinhas podem tomar de novo as calçadas e até as ruas – por que não as praças? – espaços como mananciais de pesquisa e investigação, onde podemos fazer a recolha da natureza, dos vestígios humanos, das sucatas que podem se transformar num jogo de inventar outros mundos, de reconfigurar o mundo.

Que tal convidar toda a vizinhança, reunir as crianças na rua e saber do que elas brincam? Umas podem ensinar para as outras cantigas, brincadeiras de mão, brincadeiras com elástico, corda, amarelinha, entre tantas outras possibilidades. Considerando a polifonia de sentidos de todos os participantes, poderão aventurar-se pelas calçadas, canteiros e o que mais houver.

Ao observar as características desse espaço, matéria e escala, o que podem descobrir? O que os corpos ágeis das meninas e meninos podem fazer ali? Rampas, guias, escadas, casas, buracos, tudo o que há pode virar uma grande brincadeira. Brincar é desdobrar, virar do avesso, selecionando dentro de nós o que nos interessa. Brincar na rua, para transformar aquilo que já existe.

 

STELA BARBIERI

Stela Barbieri é uma artista que atua em muitos campos: das artes à literatura infantil. Educadora propositora de experiências e processos de interação entre arte e educação, ela inventa espaços que convidam à coparticipação.

 

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