Como os adultos podem ajudar a nomear sentimentos e a trabalhar a inteligência emocional na infância e vida adulta?
Saber reconhecer e dominar as próprias emoções, respeitando os sentimentos de adultos e crianças. Pode parecer algo simples mas poucos têm esta habilidade, o que nos faz acumular traumas emocionais e físicos. Durante muito tempo, aprender a lidar com as emoções foi um tema deixado de lado, com poucos estudos científicos. Hoje esta realidade mudou e, cada vez mais, cresce o número de pesquisadores focados na função e atuação do afeto vinculado ao modo como operam nossos cérebros e corpos.
É o caso da psicóloga Beatriz de Holanda Araújo, gerente e facilitadora do NELP – Programa de Alfabetização Neuro Emocional, da Universidade de British Columbia, no Canadá. O programa busca fomentar e difundir conhecimentos e estratégias positivas para regular as emoções em pessoas adultas, alcançando uma melhora no bem-estar mental e nas relações entre adultos e crianças.
A psicóloga comenta que o primeiro passo para sabermos como lidar com as emoções é aprender a nomear o que sentimos. “É preciso nomear com palavras alguns sinais que são, inclusive, corporais”, diz. Com isso em mente, trabalhar a alfabetização emocional e oferecer conhecimentos, ferramentas e estratégias sobre o assunto pode melhorar não apenas a saúde emocional e física de cada um como sua relação com as crianças com quem convive. “As crianças aprendem ao copiar o que os adultos fazem, por isso é tão importante sabermos controlar nosso comportamento afetivo, espelhando mais equilíbrio e carinho com o que sentimos e comunicamos”, complementa.
Ainda sobre o assunto, Beatriz traz exemplos relatos de cursos que ministra. “É comum eu ouvir frases como “Sou professora e, em casa, tenho bem menos paciência com meus filhos do que em sala de aula, não sei porque eu perco o controle”. Para responder a essa angústia, a psicóloga contextualiza o papel social que representamos em diferentes contextos e seus pesos. “Dizemos em nosso Programa de Alfabetização Neuro Emocional que, em determinadas situações, a reação de uma pessoa é fugir, lutar ou congelar. Não é diferente neste caso, aquela criança não representa apenas um título, mas o que você é como mãe, o que pode aumentar a pressão e dificultar a reação em determinadas situações.”
O controle das emoções é fundamental para o desenvolvimento de um indivíduo. E quanto a isso, Beatriz reforça que as crianças aprendem não apenas pelas palavras literalmente ouvidas em seu cotidiano, mas também pela forma como nos expressamos diretamente ou próximo a elas. Por isso, destaca que toda comunicação precisa respeitar a idade e o tempo de cada um.
“Por exemplo, para falar da pandemia com uma criança de seis anos, não precisamos falar de morte, medo ou pessoas sem respirar. Mas também não podemos ignorar o assunto, uma vez que, como todo mundo, elas também estão passando mais tempo em casa, vêem a mamãe e o papai usando máscara e sentem inseguranças porque toda a rotina da casa mudou e, muitas vezes, ninguém lhes explicou o por quê”, menciona.
Para trabalhar isso, a especialista acredita ser necessário contextualizar a situação, buscar um vocabulário adequado para cada idade e garantir abertura e autonomia para que a criança não apenas escute, mas também tenha espaço e voz, com oportunidades para descrever melhor suas emoções. “Você pode levantar perguntas como “Filho, estou vendo que você está com o rosto vermelho, seu coração está batendo rápido? Será que você está com vontade de gritar? Será que isso é raiva?”, exemplifica.
Mas como os adultos podem ajudar a nomear sentimentos e a trabalhar a inteligência emocional de uma criança sem direcioná-la para o que compreendemos ser a emoção “correta” para determinado momento? Para responder a isso, Beatriz salienta a necessidade de abster-se do papel de líder ou de autoridade cujas crianças precisam entender e respeitar, para adentrar no mundo delas.
“Às vezes, de fato, a gente acha que está lendo todos os sinais e tem certeza que o que criança está sentindo é raiva quando pode ser, somente, fome, ou outra coisa. Mas por isso é tão importante ouvir as crianças e abrir possibilidades: “Isso já aconteceu antes? Você já sentiu isso antes? Você se lembra de já ter visto a mamãe passar por algo parecido? Quando?”, porque há uma diferença entre mediar o processo de descoberta do que eles estão sentindo por meio das palavras e determinar por nós a resposta que queremos ouvir e as saídas possíveis”, afirma.
Ao mesmo tempo, a psicóloga salienta que não se pode comparar as compreensões de vida de um adulto com o que uma criança sente. “Atendi uma vez uma criança que gostava muito de lego. Um dia ele fez um barquinho e me pediu para não desmontar até que o pai chegasse, porque queria muito mostrar. O pai achou legal, mas como estava com pressa, parabenizou rapidamente e já pediu para o filho ir arrumando as coisas para irem embora. Então o garoto desatou a chorar e o pai ficou impressionado com a reação do menino, achando exagerada. Conversamos um pouco e expliquei para ele que, para um adulto, aquele barquinho poderia ser feito em meia hora, mas para o menino, que tinha apenas cinco anos, essa possivelmente era uma das maiores conquistas da vida. Por isso reforço tanto que é preciso se conectar à criança, estar aberto e acessível ao seu contexto e idade.”
* Beatriz de Holanda Araújo é formada em Psicologia pela Universidade de British Columbia, no Canadá, depois de viver em seis países. Atualmente, é gerente e facilitadora do NELP – Programa de Alfabetização Neuro Emocional, uma ONG que trabalha com o controle emocional de educadores, crianças, pais e voluntários.
Alfabetização emocional é definida pela neurociência educacional como a capacidade de um indivíduo de: compreender a neurociência e a neuropsicologia da emoção e suas funções cerebrais / corporais e comportamentos; reconhecer e analisar gatilhos emocionais; reconhecer sinais físicos e comportamentos; identificar e desenvolver uma consciência das estratégias de regulação da emoção; aprender e praticar estratégias alternativas de regulação da emoção; utilizar efetivamente uma variedade de estratégias de regulação da emoção; e modelar este comportamento afetivo melhorado para o benefício de outros.
O workshop sobre Alfabetização Neuro Emocional oferecido pelo NELP – Programa de Alfabetização Neuro Emocional, da Universidade de British Columbia, tem duração de seis semanas e aborda estratégias positivas para lidar com as emoções, buscando o bem-estar completo. Interessados em participar podem deixar seu contato neste formulário de inscrição para serem avisados de próximas turmas: