Depois de um dia cansativo de trabalho, falta energia para qualquer coisa a não ser afundar no sofá. Apesar de bebês e crianças não contaram com o cansaço de um dia de atividades, a jornada diária deles também é cansativa. Isso porque é na fase infantil que a maior quantidade de conexões cerebrais acontecem.
A cada minuto, são inúmeras as descobertas realizadas por um bebê: novos sons, texturas, gostos, visões, cheiros… a descoberta de suas próprias partes do corpo também é exemplo das aventuras.
Esse é um dos motivos pelos quais o sono é tão importante em qualquer fase da vida humana, sobretudo para crianças. É durante o sono que nos desligamos do mundo e nosso corpo pode fazer sua mágica: liberar substâncias do crescimento, transformar as vivências do dia em aprendizados, e equilibrar nosso organismo de uma forma que somente uma boa noite de descanso consegue fazer.
Mas, para sair do senso comum de reafirmar a importância do sono e partir para o patamar de realmente entender por que é preciso que as noites sejam bem dormidas e respeitem uma rotina, a Aliança pela Infância conversou com o doutor Gustavo Moreira. Médico pediatra formado pela Universidade Federal de São Paulo, possui residências internacionais na área de pediatria. É coordenador do ambulatório de distúrbios respiratórios de sono em crianças e membro do corpo docente do Instituto do Sono.
Confira a seguir.
Aliança pela Infância: Sempre ouvimos falar que o sono é muito importante para o desenvolvimento das crianças, mas nem sempre são explicados os motivos. Por que pais e responsáveis devem estar atentos a essa questão?
Dr. Gustavo: O sono é fundamental para a vida. Se fizermos um experimento e não deixar animais de laboratório dormir, eles não sobrevivem. Todo ser vivo precisa de momentos de descanso. Nas crianças e adolescentes, desde o nascimento até os 21 anos, o que acontece é um período de maturação: o crescimento somático e desenvolvimento dos órgãos, principalmente do cérebro. Todos os desenvolvimentos que acontecem na parte intelectual envolvem um período de aquisição da informação e o período em que há o processamento disso. O sono é importante para o crescimento pois é durante ele que o cérebro vai poder organizar todas as informações que adquirimos durante o dia e colocar na memória. Não adianta só ter exposição ao conhecimento, é necessário dormir para incorporá-lo, e isso vale para qualquer idade. O que muda é a necessidade de sono conforme vamos crescendo. Se bebês com uma semana de vida dormem 16 horas, com seis meses dormem 14 horas; com dois anos, 12 horas. As crianças dormem, geralmente, 10 horas, enquanto adultos precisam de seis a oito horas de sono.
API: Apesar de sabermos que muitos especialistas, médicos e pediatras desaconselham o uso de telas por crianças até os dois anos, celulares, tablets e televisões são uma realidade na sociedade moderna. Qual conselho você daria para substituir esses equipamentos na rotina de dormir de crianças, considerando que são muito estimulantes?
Dr. Gustavo: Antes de mais nada é preciso considerar que a exposição à luz à noite inibe a produção de melatonina, o hormônio do sono. Para qualquer idade, uma hora antes de dormir, deve-se diminuir a quantidade de luzes. Além disso, hoje em dia todo mundo acha legal a criança mexer em aparelhos com o dedinho, mas estudos comprovam que, em muitos casos, a parte do cérebro responsável pelo desenvolvimento fino, usado para a escrita, por exemplo, não está sendo estimulada. Um caminho para argumentar com as famílias sobre a diminuição do uso de tecnologias por crianças é dizer que os filhos de engenheiros e funcionários do Vale do Silício, nos Estados Unidos, estudam em escolas que não têm computadores. O uso de tecnologias por menores de dois anos realmente não deve existir, e os pais devem ser mais radicais nessa questão. Muitas famílias vêm ao consultório e, quando a criança começa a chorar, colocam um vídeo para ela ficar quietinha. Então, o que as famílias precisam é de estratégias para dar atenção aos filhos e saber o que é adequado para cada faixa etária. Em primeiro lugar, é necessário que os responsáveis abram mão de seu tempo de tela, pois ver televisão junto não é estar com seu filho.
API: Qual é o papel da rotina na qualidade do sono das crianças?
Dr. Gustavo: Precisa-se de rotina para tudo: para dormir e acordar, horário de refeições e de brincar, e os horários de final de semana não podem ser diferentes daqueles de durante a semana. É comum que mães, nesse movimento de terem saído de casa para trabalhar, fiquem com certo peso na consciência de não estarem com a criança e, com isso, querem aproveitar quando chegam em casa e ficam com os filhos na frente da televisão. É preciso entender que ver TV ou estar no celular é uma atividade que vicia. Então a rigidez não deve ser motivo para peso na consciência de pais, mães e responsáveis.
API: Além da questão das telas, nossa sociedade está cada vez mais dinâmica e acelerada. Muitas vezes, crianças são matriculadas em inúmeras atividades no contraturno escolar em um movimento de “preencher o dia”. Qual é a relação entre desaceleração e qualidade do sono?
Dr. Gustavo: Aconselha-se a diminuir o ritmo dos afazeres a medida que escurece. Então futebol às 19h não é um bom horário. Para dormir, é preciso ter tranquilidade. O pai que chega tarde em casa não deve jogar futebol com a criança. Pesquisas apontam que 35% dos adolescentes têm privação do sono comprovada. Outro estudo recente indica que o horário médio que as crianças estão indo dormir é 23h, quando deveria ser 21h. Isso tudo tem a ver com pais fora de casa, os filhos querem esperá-los chegar, o tempo de deslocamento no ambiente urbano é muito grande, a terceirização dos cuidados da criança para cuidadores. O que é difícil é justamente as famílias terem um horário regular para que as crianças possam seguir o exemplo.
API: Como uma noite mal dormida impacta na vida do bebê e da criança no dia seguinte?
Dr. Gustavo: Privação do sono é o que falamos: é incompatível com a vida. Sobre dormir pouco, nós sabemos que está associado a uma série de consequências. Noites de menos de seis horas de sono, para um adulto, estão associadas a obesidade e doenças cardiovascular. Foram feitos estudos com criança que também apontam para obesidade. Além disso, em crianças, doenças que alteram a qualidade do sono apresentam consequências relacionadas a mudança de comportamento, ou seja, déficit de atenção, mudanças de comportamento, hiperatividade, agressividade e alteração no desempenho acadêmico, além de efeitos no crescimento. Crianças com apneia do sono, por exemplo, crescem menos.
API: O que você sugere em termos de atividades que ajudam a estabelecer uma rotina de relaxamento e atividades que conduzem ao sono?
Dr. Gustavo: É importante não criar regras, e sim dar dicas do que seria adequado. As atividades na hora de dormir precisam ser relaxantes e acontecer em uma sequência de eventos. Jantar, faz uma brincadeira que não é ligar a televisão, e sim um momento de estar junto. Pode ser brincar de desenhar, jogar cartas, montar lego. A criança aprende muito mais se ela pega uma pecinha, com diferentes tamanhos, cores e formas, e precisa encaixar em uma construção. Depois, vai tomar banho, escovar os dentes e fazer alguma atividade no quarto, que geralmente é uma coisa breve. Para um bebê, é colocar no berço e cantar uma música. Para crianças, é deitar na cama e ler uma história. Esse deve um momento em que há diminuição do movimento na casa, a luz vai ficando mais baixa, e a criança vai percebendo que isso é uma repetição todos os dias.
*Imagem: Vix Brasil