*Por Suzana Macedo Soares
Nestes tempos de aceleração, onde a ansiedade está cada vez mais presente no mundo dos adultos e, consequentemente, atropelando de frente o ritmo orgânico da criança pequena, é preciso refletir sobre o que fazer para modificar este quadro. Afinal, esta fase dos três primeiros anos, conhecida como primeiríssima infância, é fundamental para o desenvolvimento global harmonioso do ser humano.
O contato com a criança pequena precisa ser delicado e ao mesmo tempo atencioso. Por meio de uma observação cuidadosa, é possível perceber algumas reações aos cuidados, mesmo em bebês muito pequenos. São sinais sutis perceptíveis por meio de movimentos corporais, crispações da pele, expressões do rosto, expressões sonoras, que trazem informações de como o bebê está recebendo os cuidados e, mais do que isso, de que forma ele consegue participar destes momentos. Além de muita calma é preciso fazer pausas na ação de cuidar, para que estas reações apareçam.
Segundo a médica húngara Emmi Pikler, que desenvolveu uma abordagem específica para a educação de crianças de 0 a 3 anos, os momentos de cuidar são excelentes oportunidades para a construção do vínculo afetivo. Para que isso ocorra, as tarefas de cuidar não podem ser realizadas de maneira rápida e mecânica, ao contrário do que acontece em muitos espaços coletivos de bebês. A constância nos cuidados, assim como a regularidade de tempo e espaço criam o clima de confiança necessário para que a criança sinta segurança e possa participar desta relação e aproveitar a experiência.
Os estímulos táteis são acompanhados de falas com voz suave, explicando de forma clara e simples o que está se passando e antecipando o que vai acontecer a seguir. Quando o adulto educador fala sobre a parte do corpo que está sendo tocada, ajuda o bebê a construir seu esquema corporal, que é a experiência imediata da unidade dos segmentos do corpo e a posição que se ocupa no espaço. O esquema corporal é resultado da organização cognitiva e afetiva de cada pessoa e é construído e reconstruído pelas contínuas alterações da posição do corpo no espaço.
Emmi Pikler e sua equipe ensinam, também, a importância de realizar gestos delicados, não interromper uma atividade de cuidado, considerar as necessidades individuais e reagir a cada manifestação das crianças. As diferentes sequências de cada atividade de atenção pessoal se realizam sempre de forma igual, como uma “coreografia dos cuidados”, mas o fato do adulto se manter sempre presente na atividade impede que o ato se torne mecânico.
Uma criança cuidada desta forma se sente segura e confiante no adulto e pode se aventurar a brincar de forma livre, explorando objetos com diferentes qualidades táteis e exercendo os movimentos necessários para seu desenvolvimento neuropsicomotor.
Fases do brincar
Segundo a Abordagem Pikler, as crianças pequenas que brincam de forma espontânea passam por fases distintas. Ainda no berço, a criança brinca com o próprio corpo: mãos, pés e a própria voz. Ao armazenar sensações e informações colhidas na exploração do espaço e dos brinquedos, a criança constrói as bases necessárias para o desenvolvimento da capacidade de pensar. E assim, ela aprende a aprender.
A abordagem Pikler recomenda que o bebê seja colocado sempre de barriga para cima, em uma superfície firme, posição que favorece os movimentos corporais.
Olhar ao redor
O bebê explora visualmente o ambiente ao seu redor. Com isso, fortalece a musculatura do pescoço e organiza os movimentos da cabeça, em função dos estímulos visuais e auditivos que o entorno oferece.
Explorar as próprias mãos
No início, as mãos se movimentam sem controle, desaparecem e voltam a ser visíveis novamente. O fato do bebê perceber que elas podem ser controladas gera interesse e satisfação. Ele passa a pegar um objeto, mas ainda não é capaz de largá-lo. O acaso ainda predomina.
Alcançar o brinquedo desejado, pegar nas mãos e movê-lo
Nesta fase o bebê já pode exercer a iniciativa de escolher com que objeto brincar.
Usar as duas mãos
A criança passa o brinquedo de uma mão a outra, com simetria e sincronicidade.
Estudar objetos
A criança toca o brinquedo, empurra, balança e observa o efeito que é produzido. Os brinquedos podem escorregar, bater, tremer, rolar, fazer barulhos etc.
Brincar com dois brinquedos simultaneamente
Coloca dois objetos em relação. Observa diferenças, proporção, características, formatos, etc.
Entre 9 e 12 meses a criança tem o impulso de colocar objetos menores dentro dos maiores e perceber o que cabe dentro do que. Ela experimenta e percebe as posições no espaço, tendo as primeiras noções de dentro / fora; em cima / embaixo / ao lado; junto / separado.
Nesta fase ela começa a colecionar objetos com uma atitude “científica”, seguindo o resultado das suas ações, comparando com o resultado imaginado e modificando, se necessário, para encontrar gestos mais efetivos.
*Sobre a autora
Suzana Macedo Soares
Graduada em Comunicação Social pela PUC-SP e pós-graduada pela ECA-USP. É especialista em Educação Infantil pelo Instituto Vera Cruz. Integra o Conselho Consultivo da Aliança pela Infância e a Rede Cultura Infância da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI). Coordena Projetos Sociais de Formação de Educadores Infantis, desde 2006. Faz consultoria de Educação Infantil. Faz parte da Rede Pikler Brasil, que procura divulgar e aprofundar a abordagem Pikler. Desde 2013, ministra um curso de extensão universitária no Instituto Vera Cruz: “Subsídios para compreender a linguagem corporal da criança de 0 a 3 anos”, utilizando elementos da abordagem de Emmi Pikler e a linguagem da Eutonia. Co-autora de livros sobre Educação Infantil, entre os quais: A Primeira Infância na Cultura de Paz (Copipaz) – 2004; Estudos e Reflexões de Lóczy (2011), publicado pela OMEP – Organização Mundial para Educação Pré Escolar e O Acolhimento de bebês: práticas e reflexões compartilhadas (2014).