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“Sobre o encanto em todo canto”, por Soraia Chung Saura

21 de abril de 2016

“O Brincar que Encanta o Lugar”. Com esse tema a Aliança pela Infância parece querer nos fazer olhar, sonhar e nutrir esses ambientes fascinantes que só a meninice pode fecundar em todas as bandas do mundo. Encantar é palavra que contém em si o canto, a musicalidade, a cadência. No ritmo, o feitiço. Pois que na sua origem etimológica, o canto é aquilo que seduz, que emite palavras sábias, mágicas e misteriosas. O canto é o que nos hipnotiza e nos conduza um estado de graça. Esse é o estado do encantar: graça hipnótica, um mistério que encontramos no olhar das crianças. Sim, parecem enfeitiçadas pelo novo, pelo belo, pelo que se movimenta: a própria vida que se apresenta inteira. Demonstram êxtase e entusiasmo. De origem grega, entusiasmo: trazer o Deus que está fora para dentro de você. E êxtase: deixar que o Deus que está dentro de você saia para o mundo.

CRIANÇAS REALIZAM ESSE DIÁLOGO
COM O MAIS HUMANO EM NÓS

De fato, se o encantar vai na direção do fascínio, da magia, da graça e do mistério, certo é que lidamos com um elemento divinamente sagrado – desses que não se pode explicar a partir de lógica ou racionalidade. Encanta-se sem explicações causais. Mas, paradoxalmente, esse encantamento tem um papel central na vida das pessoas. Insistimos, adultos e crianças, em ir na direção do que nos seduz. Ainda que sem utilidade, justificativa ou coerência aparente, o encantamento parece nos dirigir a um chamado premente, pré-racionalizante, intuitivo, inexplicável. Por isso seu caráter divino.

Alguns elementos apresentam-se neste encantar, é certo. O Espaço e sua composição, o Tempo e seu ritmo cíclico. Trabalha-se o Espaço com simplicidade e beleza; o Tempo, com festas, rituais, repetições e demarcações. Trata-se da elaboração de sentido para a existência. De onde viemos, para onde vamos, por que estamos aqui? Ordenação do caos. Constituição de significado. Assim, desde muito pequenas, as crianças realizam esse diálogo com o mais humano em nós. Lidamos com o caos, com o medo, com o terror, com a morte. Mas também com a beleza, com as composições, com as construções, com a vida pulsante e latente. Enfrentamos os obstáculos com coragem, honra, bravura. Encanta-nos sermos brincantes e olhar esse fenômeno é urgente nos dias atuais.

Encantamento em doses cavalares onde é necessário: em tempos de individualismo exacerbado, mau uso de toda tecnologia disponível, falta de tempo livre e excesso de mercado e capital. Contra a falta de sentido e a angústia, encantamento. Coincidência, esse encanto nos dirige a sermos o que somos em nosso melhor. Parece querer indicar a que viemos, afinal de contas. Se algo me encanta, certamente coaduna com meus sonhos, desejos e potências. É um indicativo, um chamado: vamos todos. Assim é o mundo. Encanto de Aliança! Pela Infância, pois seu papel parece ser essa contínua consciência de buscar ser o “sal da terra” ou a “luz do mundo”. Dito de outro modo, a busca do que faz a vida valer a pena de ser vivida. E buscar, e encontrar, a que viemos afinal de contas. Cantando e encantando.

*Professora Doutora, departamento de Pedagogia do Movimento Humano, Centro de Estudos Socioculturais CESC – EEFE- USP. Cultura Organização e Educação, Laboratório Experimental de Arte-Educação & Cultura (Lab_Arte), Faculdade de Educação – USP 

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