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Ações de conscientização racial na educação para a infância

16 de novembro de 2020

No mês da consciência negra, a Aliança pela Infância traz a urgência de falar sobre educação antirracista e maneiras de criar espaços acolhedores que promovam os direitos fundamentais da infância.  

Para trazer o tema à luz em novembro, a Aliança ouviu a opinião das especialistas em educação infantil. Livia Melo é pedagoga, professora de biodança e articuladora do núcleo da Aliança pela Infância de Recife (PE), e Maíra Souza é líder de portfolio de projetos focados no desenvolvimento infantil na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Ambas comentam sobre a importância de trazer referências positivas da cultura negra no processo pedagógico e perspectivas para um futuro mais justo para os pequenos. 

“Não somos todos iguais e tudo bem não sermos todos iguais. O problema é a indiferença com a diferença” – Maíra Souza. 

A necessidade dos bons exemplos  

De acordo com Maíra Souza, reforços positivos nos primeiros anos de vida são fundamentais para a construção da auto estima de uma pessoa. “Como dizer a uma criança que ela deve ter orgulho de ser negra se ela não tem nenhuma referência? A criança, quando faz seu processo de associação com o mundo, ela não quer se relacionar com figuras tristes.”

Maíra traz a necessidade transformar as associações feitas com pessoas negras e aponta a responsabilidade de todos para essa mudança, não apenas do movimento negro. “Outras referências para além do negro subalterno são fundamentais para a construção de uma consciência racial sólida”. E acrescenta. “Ninguém nasce com um livro da Angela Davis nas mãos. Ninguém nasce lendo Abdias Nascimento. Imagine como é esse processo para uma criança.”   

O mesmo foi constatado pela educadora Lívia Melo, quando, em 2012, procurou levar outras perspectivas aos seus alunos de biodança. “Rodei todas as livrarias da minha cidade e não encontrei nada além dos exemplares de Menina Bonita do Laço de Fita e O Menino Marrom.” A educadora ressalta a importância dessas obras, mas aponta que são insuficientes para gerar o empoderamento que procurava transmitir aos pequenos. “Eu queria uma história fora da perspectiva da escravidão. A escravidão não resume a nossa história. Eu queria uma princesa negra e não encontrei.” 

Um problema profundo 

Maíra cita um teste realizado com crianças a partir de duas bonecas, uma negra e outra branca, para ilustrar qual é o discernimento delas em relação à questão racial. O experimento ficou conhecido como Teste da Boneca e evidencia as mazelas da carência de ações afirmativas para a consciência infantil. 

Lívia comenta sobre o documentário Lápis de Cor, levantamento sobre os problemas causados pela falta de processos pedagógicos acolhedores e fortalecedores da identidade negra. “Essa pesquisa é interessante porque mostra crianças reproduzindo o discurso ‘ser diferente é bom’. Mas, quando questionadas como gostariam de parecer, a maioria revela não se aceitarem como são.” 

De acordo com Lívia, o problema é profundo e urgente porque ameaça o tempo do riso solto da infância e restringe a potência de vida que todas as crianças do mundo carregam dentro de si. 

Estratégias de enfrentamento

Maíra acredita que é preciso falar sobre a questão racial com as crianças, principalmente dentro das escolas. “Sempre nos deparamos com o discurso institucional de que somos iguais, mas não somos todos iguais, e não tem problema não sermos. O problema é a indiferença às diferenças.” 

Para a especialista, é urgente naturalizar as diferenças pelo processo de acolhimento das pessoas negras em ambientes predominantemente brancos. “A professora é uma pessoa que inspira admiração e proteção. Portanto, é fundamental que crianças brancas e negras se acostumem com uma pessoa negra nesse posto. Acredito na importância da reparação histórica.” 

Diante da dificuldade de Lívia para encontrar histórias que transmitissem os valores que ela gostaria de trazer aos seus alunos, a educadora começou a criar suas próprias histórias. Implicando-se ainda mais com o tema da educação antirracista em sua trajetória profissional. “A ausência dessas histórias é um processo de destituição da nossa beleza, dos nossos costumes, dos costumes dos nossos ancestrais. Em última instância, é uma destituição da nossa humanidade.” 

Lívia Melo comenta que ser uma aliançada do Movimento expandiu sua percepção em relação ao brincar. A educadora propõe o jogo lúdico como ferramenta para o fortalecimento da identidade. “Eu já fui uma criança negra. Por essa razão, faço questão de trazer brincadeiras indígenas e afro-descentes para todos os meus alunos. É preciso conectá-los com suas ancestralidades.”

Ambas as especialistas defendem a urgência de falar sobre o tema racismo dentro e fora das escolas, por mais indigesto que o assunto possa parecer. E, para além da educação antirracista, reforçam a necessidade de trazer outros olhares sobre o povo negro e indígena para as crianças.  

A Aliança pela Infância defende a preservação do tempo e dos direitos da infância como essência universal para o desenvolvimento de seres humanos conectados com a cultura de paz, a sustentabilidade ambiental e o respeito a todas as diferenças. 

Lívia Melo é pedagoga há 14 anos, facilitadora didata em biodança, com habilitação em biodança para crianças. Desde 2012, integra e articula o núcleo da Aliança pela Infância em Recife (PE) e trabalha como Analista de Desenvolvimento Humano e Social na prefeitura de Recife.   

Maíra Souza é Mestra em Cooperação Internacional e Políticas de Desenvolvimento pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, é líder de portfólio na Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, onde é líder de portfólio em projetos na área de desenvolvimento infantil que acontecem no Estado do Ceará. 

 

Imagem: Miguel Castellanos via Unsplash

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