Por Guilherme Weimann
Atualmente, a maioria dos brinquedos é feita de forma padronizada. Não apenas os brinquedos, como a grande maioria das mercadorias consumidas pelos seres humanos. A natureza, pelo contrário, oferece diversos elementos completamente diversificados. Cada folha, cada graveto, cada flor possui uma singularidade única. E, justamente por isso, o contato desses ambientes naturais são tão importantes para as crianças, especialmente as mais novas.
Essa é a visão defendida pela professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e integrante da Aliança pela Infância na cidade mineira, Ana Rosa Costa Picanço Moreira. “Quando a gente fala das folhas, cada folha tem um formato, uma espessura, ela possui uma singularidade, uma diferença. Então a gente está oferecendo ao bebê e à criança pequena uma possibilidade de lidar com o mundo que é diverso, diversificado, e de valorizar e respeitar essa diversidade. Isso vai na contramão do que a gente tem visto hoje, que é a valorização da homogeneidade, de padronizar comportamentos”, explica.
Em entrevista à Aliança pela Infância, a professora, que coordena o projeto de extensão Espaços Brincantes para e com bebês na UFJF, aborda ainda caminhos para romper com a lógica que liga os elementos da natureza com a sujeira e adoecimento dos bebês. “Os estudos têm mostrado que quanto mais os bebês têm experiências com água, terra e os elementos da natureza de um modo geral, mais eles vão fortalecendo seus organismos, construindo anticorpos e assim ficando mais saudáveis, não só física como psiquicamente”, aponta.
Confira a entrevista na íntegra:
Eu parto de uma perspectiva de que a criança, o ser humano de um modo geral e a natureza constituem uma unidade indissociável. As crianças, em particular, constituem-se a partir das relações que elas estabelecem com o mundo. E no mundo a gente vai ter ambientes construídos e ambientes naturais que são desde muito cedo significados pela cultura, pela família. Essa concepção de natureza enquanto um ambiente saudável, um ambiente que favorece uma constituição psíquica e física saudável das crianças desde muito cedo, acaba orientando práticas de cuidado e de educação dos adultos com as crianças e a oportunidade das crianças vivenciarem experiências com ambientes verdes, que a gente chama de ambientes naturais.
Esses ambientes naturais têm terra, ar, água e fogo. São essas experiências que constituem o ser humano. E quando os bebês têm a possibilidade de vivenciar situações desse tipo, de explorar, manusear, cheirar os diferentes aromas das plantas, ouvir o barulho do vento nas folhas e os pássaros, o pisar nas folhas secas… todas essas experiências são constitutivas dos seres humanos. E a gente vai se apropriando desse mundo ao experienciar essas situações, vai se apropriando dessa natureza, de modo que ela passa a fazer parte desse ser. E a gente tem mais chances também dessa natureza ser cuidada por essas pessoas, que desde muito cedo têm vivências com ela. Vivências no sentido positivo. Cuidar e respeitar a natureza é também se respeitar, é também se cuidar.
Se a gente observar atentamente, esses elementos naturais oportunizam experiências diversas. Em relação às crianças muito pequenas, que aprendem com o corpo, com os sentimentos e movimentos, principalmente, esses elementos naturais oferecem inúmeras possibilidades de interação, até porque cada elemento é único. Quando a gente fala das folhas, cada folha tem um formato, uma espessura, ela possui uma singularidade, uma diferença. Então a gente está oferecendo ao bebê e à criança pequena uma possibilidade de lidar com o mundo que é diverso, diversificado, e de valorizar e respeitar essa diversidade. Isso vai na contramão do que a gente tem visto hoje, que é a valorização da homogeneidade, de padronizar comportamentos. E a natureza oferece essa oportunidade dos bebês e das crianças vivenciarem situações únicas, que não vão se repetir, e ao mesmo tempo valorizar isso na sua formação humana.
Eu venho desenvolvendo um projeto chamado Espaços Brincantes para e com bebês na UFJF em que a gente pensa a organização espacial no campus universitário, que tem vegetação, de modo a acolher os bebês, que são pessoas de 0 a 3 anos. A gente organiza os ambientes com alguns tecidos, leva alguns elementos da natureza que encontra por lá, como pedras, folhas diversificadas, flores, gravetos, sementes, alguns recipientes feitos de palha, papelão, metal. A gente também leva alguns utensílios para que as crianças possam cavar, mexer com a terra, com a grama, e terem experiências diferentes do que normalmente elas têm.
Aqui, nós estamos em uma região metropolitana, então a gente tem muito asfalto, até nas creches onde as crianças ficam a maior parte do tempo é muito comum a gente encontrar os bebês em ambientes internos, com ausência absoluta de elementos da natureza. Então é uma oportunidade que eles têm de vivenciar essas situações de forma autônoma, escolhendo como brincar, como explorar esses elementos por eles mesmos. A gente tem trabalhado muito para ofertar esses elementos e ao mesmo tempo chamar a atenção dos adultos responsáveis para eles enxergarem a capacidade dos bebês de construção do conhecimento e de sentidos para as suas existências.
Essa ideia de que os bebês são frágeis está atrelada a uma concepção de cuidado, um cuidado de que os adultos precisam fazer as coisas para os bebês porque eles são incompetentes. A gente tem uma visão romântica de infância, de que os bebês precisam ser orientados e direcionados o tempo todo pelos adultos. E muito dessa visão dos espaços limpos têm a ver com a puericultura. As nossas creches brasileiras são marcadas pelo movimento filantrópico e assistencialista. Algumas creches têm marcas de hospital, de ambientes neutros, limpos, científicos, de controle. Tudo isso tá tudo dentro de um mesmo kit. Os adultos têm a ideia de que mexer com terra e água é sujar, adoecer. E é justamente o contrário.
Os estudos têm mostrado que quanto mais os bebês têm experiências com água, terra e os elementos da natureza de um modo geral, mais eles vão fortalecendo seus organismos, construindo anticorpos e assim ficando mais saudáveis, não só física como psiquicamente. Então eu acho que pra romper com essa lógica a gente precisa desenvolver práticas dessa natureza nas escolas de educação infantil, nos espaços de discussões com os pais e família de um modo geral. A gente precisa observar o que esses bebês fazem com a natureza, como eles se relacionam. A gente precisa ter estudos que possam acompanhar esse processo, estudos longitudinais.
Às vezes a gente não tem áreas verdes nas creches e nas escolas de um modo geral, mas a gente pode criar um ambiente verde, levando esses elementos da natureza para dentro da escola e da creche, construindo hortas, baldes com sementes, recipientes diferenciados e, sobretudo, explorando os ambientes externos, mesmo que eles sejam cimentados. E sempre observar e registrar essas vivências. Isso está muito ligado à formação de professores. Eu, como professora de uma faculdade de educação, tenho chamado bastante atenção pra isso, trabalhado nas áreas externas da faculdade para que os alunos possam vivenciar essas situações. É importante na formação dos professores chamar a atenção, refletir, articulando essas vivências com teorias.