Música para ninar: como notas e ritmos podem influenciar o sono de toda a família

11 de outubro de 2016

A música tem uma capacidade peculiar de se ligar ao inconsciente, provocar o imaginário e embalar o sono. Nesse especial do ABCD Encantado da Infância, ações simples do cotidiano das crianças – como o aprender, o brincar, o comer e o dormir – estão ganhando atenção especial. E hoje é dia de música. A música que encanta, que nina, que faz sonhar.

A música exerce em nossas vidas uma função que vai além do divertir ou do fazer o corpo dançar. Uma canção pode acalmar e ser importante aliada para melhorar a qualidade do sono dos bebês, das crianças e dos adultos. Para entendermos essa conexão da música com o inconsciente, conversamos com Lidiane Carolina, violonista e compositora, pós-graduada em música e fundadora do projeto “Pra Ninar”, dedicado a produzir canções para dormir para bebês e crianças.

Lidiane trabalha com música infantil há mais de 20 anos, dentre composições, aulas, apresentações e produção musical de CDs para os pequenos. Ela acredita no poder transformador da música e diz que tem como missão levar essa magia para crianças, suas famílias e educadores. Vem entender como música e dormir combinam:

Aliança pela Infância – Você tem um canal no YouTube e um site do projeto Pra Ninar, que já conta com três álbuns. Como tudo começou?

Lidiane Carolina – Sou musicista e sempre tive uma atração, uma sintonia muito grande com música do universo infantil. Sempre trabalhei com isso de alguma forma, dando aulas, tocando, produzindo ou compondo. Apesar de trabalhar também com outros estilos musicais e públicos, a infância estava sempre por perto. Eu decidi fazer este projeto porque eu percebi que tinha uma escassez, uma deficiência no mercado de música infantil, sobretudo de canções de ninar, aqui no Brasil. A intenção do primeiro CD era fazer faixas com músicas clássicas, porque eu já tinha estudado a questão científica sobre como as frequências sonoras desse estilo musical são bem próximas das frequências do sono profundo. Mas, por fim, eu comecei a produzir antes de gravar, compus uma música, mostrei para alguns parceiros de composição e, quando vi, já tinha um repertório todo do CD, um material autoral mesmo, todo cantado, e a música clássica ficou para o segundo volume. O primeiro volume é o único físico, foi lançado em 2009. Aí decidi trabalhar com o material só digitalizado, pela internet.

AI – Qual a diferença entre os três volumes e tipos musicais, pensando no sono da criança?

LC – Para efeitos de dormir existem diferenças, mas não que um seja melhor que o outro. Na verdade, o som que a criança vai se identificar é que vai ser o melhor para elas e os adultos devem observar. Até por isso, na produção dos CDs trabalhei muito com diversidade tímbrica, instrumento de sopro, de percussão, de cordas, para ter essa diversidade. Sobre a música cantada, o que acontece é que existe a questão da voz. Um dos primeiros sons que a criança se identifica e reconhece é a voz da mãe. Então, quando ela ouve músicas cantadas, a tendência é se identificar mais. A mãe cantando é ótimo, mas não precisa ser necessariamente ela porque, independente disso, essa ligação com a voz é como se fosse uma cor destacada no objeto e soa como algo mais familiar. Não existe uma fórmula certa para o efeito da música nos bebês e nas crianças. O que existe dentro do projeto todo é uma diversidade, exatamente para dar opções e não deixar escapulir nada. Alguns desses tipos, timbres podem agradar mais e funcionar se a criança tem problemas para dormir, por exemplo, ou se acalmar após alguma atividade com muita energia.

AI – Qual a explicação científica para o efeito da música no cérebro dos bebês, crianças e adultos?

LC – Para entender esse efeito é preciso saber o que está por trás do som. Sons são representados graficamente por ondas periódicas e estas são caracterizadas por uma frequência, período, amplitude, comprimento de onda e velocidade. Vamos ficar atentos à definição de frequência de uma onda sonora: uma grandeza física ondulatória que indica o número de ciclos (oscilações) durante um período de tempo. No site do Pra Ninar eu entrego quatro bônus quando a pessoa adquire o box. Um desses bônus são frequências que são chamadas de som puro, a frequência binaural. Um cientista conseguiu condensar essas frequências, que denominou de alfa, beta, gama. Ele viu que cada frequência, dependendo do seu tamanho, atingia áreas diferentes do cérebro. Algumas frequências são boas, por exemplo, para quem está estudando, melhoram a concentração e outras diminuem o déficit de atenção. Estudos já comprovaram que a música clássica, principalmente a barroca, tem essa série de frequência idêntica às frequências do sono profundo. Quando penso em músicas infantis para ninar levo tudo isso em consideração.

AI – De que forma o hábito de ouvir música pode fortalecer as relações entre adultos e crianças?

LC – Eu recebo muitos depoimentos de mães que colocam as músicas para crianças dormirem, gestantes e também educadores que trabalham com crianças maiores de cinco, seis anos. Então é algo bom para a primeira infância, desde a gestação, sem dúvida. A mãe que coloca as músicas para o filho desde a gestação vai ter respostas muito melhores para essa questão do sono e, consequentemente, dias mais tranquilos. As músicas também trabalham o desenvolvimento cognitivo e, principalmente, ampliam a ligação destes adultos com a criança. É a música como instrumento da conexão familiar. Meu conselho é usar a música desde a gestação. Esse processo funciona. Além da questão do bem-estar, do sono de qualidade, tem essa valorização do momento do adulto parar, estar com a criança, desacelerar. Isso é importante.

AI – E como construir esse hábito?

LC – No início algumas mães colocam no celular, outras gravam um CD e colocam no carro, no quarto. Recomendo que os adultos observem quais as reações das crianças frente aos diversos tipos de música. Acho importante mostrar uma diversidade de estilos porque o objetivo não é só melhorar a qualidade do sono. O meu CD, por exemplo, tem um efeito como um todo, um propósito do início ao fim. E mesmo depois que a criança dorme, as outras músicas podem acompanhar o início do sono porque ela trabalha outras questões.

AI – Você acha que os dias atuais estão piores em relação ao dormir? As pessoas estão sempre correndo e não prestam mais atenção no desacelerar?

LC – Acho que são tempos que as pessoas poderiam voltar mais a atenção para elas mesmas e para suas famílias. Por isso falo que as músicas para ninar não têm apenas o objetivo de estimular o dormir, mas sim trabalhar também a qualidade de vida, o bem-estar e a conexão com a família. Esses momentos estão se perdendo na correria do dia a dia e a música pode ser um instrumento para trazer isso de volta. Eu tenho como objetivo pessoal contribuir com a mudança desse cenário e estimular pessoas a valorizarem esses pontos.

LC – Como tem sido o retorno do público?

Desde que tive a ideia de fazer o Pra Ninar, isso foi crescendo de um modo que eu nem imaginava. No Brasil ainda tem pouca coisa ligado à música e sono. Está começando a melhorar agora. Quando o primeiro volume foi feito, em 2009, era bem carente mesmo de CDs com esse objetivo. Hoje recebo diversas histórias. Uma educadora de Goiânia, por exemplo, fez um musical para bebês baseado nas músicas do CD. É legal que mães falam que quando ouvem lembram da infância, de momentos de criança. Tenho recebido depoimentos dos pais também. No canal no YouTube eu falava muito com as mães, agora mudei o direcionamento e falo para os dois, para adultos que têm crianças no seu cotidiano. Sinto que está mudando essa ideia de tarefa de mãe, tarefa de pai, isso precisa ser mesmo repensado. Estou muito satisfeita com tudo isso, as pessoas estão, aos poucos, descobrindo o poder da música em nossa saúde física e mental e isso é maravilhoso.

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