O direito ao brincar e ao encantamento

11 de junho de 2025

A infância é o tempo da criação, do brincar e da imaginação. Para se tornar verdadeiramente humano, é preciso ter vivido uma infância plena de experiências lúdicas. Por isso, é urgente reencantar nosso olhar para a criança como alicerce para a garantia dos seus direitos.

As crianças têm direito de sonhar e crescer em seu próprio tempo, e não há nada mais importante para elas do que brincar. O brincar é fundamental para a criança aprender a conhecer, a se relacionar, sobretudo a ser. Mas estamos falando de um brincar com liberdade e espontaneidade, onde a criança não brinca para aprender: ela brinca porque essa é a sua linguagem e forma de se relacionar com o mundo. O eixo da criança não é o da produtividade — brincar é sua única obrigação e meio para refletir sobre sua realidade, sua cultura, construir sua personalidade e descobrir o que quer deste mundo.

É compromisso coletivo garantir que a criança exista nesse estado essencial de constante investigação e liberdade para imaginar. Que ela possa devanear, fabular mundos impossíveis, se encantar — e assim criar novos mundos possíveis, sonhos e utopias. O corpo da criança é político, pois carrega potência de expressão, de intervenção e de participação no mundo. Assim como nossas relações sociais, sua presença, seus gestos e sua forma de habitar os espaços são também atos políticos que constroem cultura, território e sociedade. Brincar com liberdade e capacidade de escolha é a maneira de participar da sociedade. É formação cidadã e democrática, pois reconhece a criança como sujeito social que desenvolve sua humanidade na relação com o outro.

Cabe aos adultos garantir tempo, espaço e condições adequadas para que isso aconteça: ambientes seguros, acessíveis e acolhedores, com tempo para observar, contemplar e imaginar. Isso inclui políticas públicas que respeitam a criança como prioridade absoluta, em acordo com o Art. 227 da Constituição. Não só as políticas voltadas diretamente à infância — como a Semana Municipal do Brincar — mas também as que asseguram estrutura a adultos e cuidadores, como transporte, moradia e alimentação. A infância dura só 12 anos: o tempo da criança é agora. Trata-se de garantir o que ela precisa para existir plenamente hoje, em seu tempo presente. Não se trata de prepará-la para ser futura cidadã — ela já é.

Sim, o brincar é um direito humano, no contexto da proteção integral à infância. Internacionalmente está garantido pela Declaração Universal dos Direitos da Criança e Convenção sobre os Direitos da Criança.  No Brasil, além da Constituição Federal, está previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Marco Legal da Primeira Infância, e pela nova Lei nº 14.826/2024, que institui a parentalidade positiva e o direito ao brincar como estratégias de prevenção à violência.

O direito a sonhar e crescer inclui também os direitos básicos, pois o corpo da criança precisa estar forte e saudável para sonhar. Mas não basta o básico. É fundamental garantir o que ela precisa para viver seu encantamento com o mundo — aquele estado em que está enfeitiçada pela brincadeira, que a chama a ser o seu melhor. Mia Couto disse que para encantarmos o mundo, precisamos nos encantar antes. Encantamento não é supérfluo — faz parte da garantia de direitos.

A Semana Mundial do Brincar é um desses espaços. Cidades que a tornam política pública municipal trazem materialidade ao direito e oferecem locais onde o brincar pode ser vivido por todas as crianças, debatido por famílias, sociedade civil e poder público. E a Semana Municipal do Brincar por sua vez, é uma mobilização social que nasce nos territórios, a partir das práticas, experiências e reivindicações de diferentes atores — educadores, famílias, organizações da sociedade civil, gestores públicos e, sobretudo, das próprias crianças, que se colocam como agentes na defesa do direito ao brincar. Como lei municipal, o movimento passa a ser uma política pública que obriga o Estado a garantir condições para que o brincar seja efetivamente reconhecido como um direito fundamental da infância. Isso significa direcionar investimentos e articular ações intersetoriais, envolvendo áreas como educação, saúde, cultura, esporte, lazer e desenvolvimento social, para assegurar que os espaços, os tempos e as relações nas cidades sejam favoráveis às infâncias, colocando o brincar no centro da construção de territórios mais humanos, inclusivos e saudáveis.

Que os adultos encantem seus olhares para as crianças e garantam, na prática, que o brincar, como direito, experiência e vivência significativa, ocupe todos os espaços públicos e privados, instituições, escolas, ruas e famílias.

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