Benefícios de ter contato com os bichinhos vão além e revelam conexões profundas
Por Camila Salmazio
Em um dos momentos de desregulação de João, que é autista com nível de suporte 3, o gato Nino se aproximou e encostou no corpo do menino de cinco anos. “Quando o João dormiu o gato deitou a cabeça no joelho dele fazendo pressão. Eu fiquei sem entender e o tirei”, conta Carolina Silva, 33 anos, mãe de João, que teve receio de deixar o felino por perto, já que ele não era o pet da família.
Nino havia sido abandonado pela vizinha e até então, só tinha aceitado chegar até o portão da casa de Carolina para receber comida. “Foi em um momento de crise do João que o gato se aproximou”. E assim, há dois anos, o gatinho de pelagem curta e marrom passou a fazer parte da família.
“Todas as vezes que João dorme, o gato fica ao lado dele ou embaixo da cama e só sai quando meu filho acorda”, relata a mãe. Ela observa também que nas crises fortes do menino, que também é portador de deficiência agressiva refratária, Nino sempre se aproxima para fazer contato físico.
Os benefícios da relação da criança com os animais são comprovados pela ciência. O neuropediatra e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Eduardo Jorge Custódio da Silva explica que mesmo nas crianças neurotípicas “o pet já é muito importante na formação da personalidade”, por conta dos estímulos proporcionados pelo animal, que garantem novas ligações de sinapses cerebrais.
“Para uma criança que tem transtorno do espectro autista ou outro tipo de neurodivergência, o animal pode se transformar numa ponte para o mundo real”, reforça o médico, sobre a possibilidade de tocar, sentir o cheiro, fazer contato visual, entre outras interações proporcionadas pelo bichinho e que muitas vezes são difíceis para essas crianças.
Para além dos momentos de crise, João, que tem dificuldades com o contato físico, aprendeu a fazer carinho em Nino e a brincar: “Esses dias eu peguei eles pulando no pula-pula juntos”, conta, sobre a evolução do filho depois da chegada de Nino.
Caroline mostra a sua rotina de cuidados com João nas redes sociais, como forma de diminuir o preconceito e levar informações. Em um dos vídeos publicados por ela no Instagram, Nino foi registrado em ação, acalmando o menino.
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“Eles criaram uma relação de afeto sem a interferência de ninguém. Eu precisei mostrar porque eu vejo muito preconceito com os animais e esse gato é um suporte emocional para meu filho. Eu percebo que ele consegue fazer um contato com o gato que não tinha com ninguém”, destaca.
Nino, que é um gato adulto de aproximadamente quatro anos, também se considera guardião de João em momentos, como diz a mãe, de “traquinagem” do menino. “Nino não para de miar quando percebe que João está em uma situação de perigo”.
O neuropediatra Eduardo Jorge também lembra que o animal não deve ser tratado apenas como um objeto terapêutico. “A relação de cuidado é bidirecional. O bicho precisa ser cuidado, limpo e vacinado. É um ser vivo como a gente e merece todo o respeito”, defende.
Na casa de Carolina, Nino conquistou o coração de toda a família. “Foi o gato que escolheu ajudar, então a forma que eu tenho de retribuir é cuidando dele”, diz. Atualmente, o animal tem sido o único suporte para João, após a operadora do plano de saúde cancelar o contrato que garante as terapias domiciliares do menino.
As crianças e os amigos pocotós
Fora do ambiente doméstico, o contato com a natureza através da equoterapia tem feito diferença na vida de crianças neurodivergentes. “Aqui o coterapeuta é o cavalo”, conta Gabriela Manrique, fisioterapeuta e equitadora. “Ele proporciona mais de 20 mil estímulos em apenas meia hora.”
A especialista explica que a terapia com cavalos é eficaz porque trabalha aspectos globais, desde a cognição física até a parte emocional da criança nos primeiros contatos com o animal.
“Antes de montar no cavalo, a gente se aproxima, alimenta, penteia e o leva para beber água”, diz ela sobre as etapas do processo terapêutico.
Gabriela já testemunhou diversos casos de evoluções, mas destaca um caso em que uma criança dentro do espectro autista e não verbal, passou a falar frases inteiras depois de alguns meses de relação com os cavalos. “Na equoterapia estamos sempre em progresso”, explica, “às vezes parece mágico”.
Os cavalos mais velhos geralmente são os escolhidos para realizar a terapia em crianças. “Porque eles são mais dóceis, não assustam fácil”, mas, segundo Gabriela, é possível também usar os mais novos, “que já crescem soltos com as crianças.”
A fisioterapeuta conta que o ambiente mais aberto e com mais natureza também são pontos importantes no processo terapêutico. “Tem muitos autistas que têm hipersensibilidade auditiva e visual, e lá eles só ouvem o som dos pássaros, além do cavalo ser muito energético e transmitir a sensação de paz.”
Em casos de não ter acesso a equoterapia pela região onde mora ou pelo valor do tratamento que não é tão acessível, o médico Eduardo Jorge recomenda fazer esse contato de outras maneiras. “Em uma visita a uma Fazendinha, onde a criança pode ter o contato com os animais, sempre com a supervisão dos adultos”