*Por Dafne Melo, do Centro de Referências em Educação Integral, com a colaboração de Pedro Nogueira, da Plataforma Cidades Educadoras. Publicado no site Cidades Educadoras no dia 10/01/2017
Como as infâncias vivem momentos de efervescência política? Como vivem o acirramento da luta de classes? Como elaboram o luto, as perdas e o abandono? Ou a separação de seus pais? Como elas experimentam a pobreza e as mazelas do mundo?
Quando pensamos em filmes que retratam as infâncias, não as imaginamos em realidades adversas e complexas, mas a verdade é que o cinema tem se dedicado bastante em construir um olhar infantil sobre situações permeadas pelo sofrimento.
E se a realidade vivida é difícil de suportar, maior a necessidade de substituí-la por outra mais lúdica e poética, o que as crianças fazem melhor do que ninguém.
“O privilégio da infância é podermos transitar livremente entre a magia da vida e os mingaus de aveia, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites (…) Eu sentia dificuldade para distinguir entre o que era imaginado e o que era real”, escreveu o cineasta sueco Ingmar Bergman.
O Centro de Referências em Educação Integral, com a colaboração da Plataforma Cidades Educadoras, preparou uma seleção de produções, de diversos países, que registram histórias onde diversos acontecimentos – da separação dos pais a eventos históricos trágicos, passando por situações de vulnerabilidade social e o luto – são protagonizadas por crianças. Confira!
#1. A culpa é do Fidel (Julie Gravas, França, 2007)
Classificação indicativa: livre
Anna, 9 anos, leva uma vida tranquila e de “princesa” ao lado dos pais e do irmãozinho, em Paris, na década de 1970. A vida da família é alterada pela chegada de uma tia de Anna, acompanhada de sua filha, exiladas da Espanha pela ditadura franquista após o desaparecimento de seu companheiro. Os pais de Anna decidem dedicar-se mais ativamente à militância e mudam-se para um pequeno apartamento. A mãe passa a escrever um livro sobre o direito ao aborto, enquanto o pai busca apoio ao governo chileno de Salvador Allende, no Chile. Obrigada a deixar a casa e a rotina da qual tanto gostava, Anna se vê cercada de militantes, os “barbudos”, e busca entender e se a adaptar – a contragosto – à nova realidade.
#2. Pelos olhos de Maisie (Scott McGehee e David Siegel, EUA, 2012).
Classificação indicativa: 12 anos
Como uma criança de 7 anos vive a separação dos pais? Como entende a nova dinâmica familiar e as disputas entre os progenitores? Esse é o pano de fundo de Pelos olhos de Maisie, que conta a história sob o ponto de vista da menina disputada por uma mãe cantora de rock e um pai absorvido pelo trabalho. Apesar de contar com todos recursos financeiros e educacionais, Maisie se sente só e busca construir laços afetivos com outros adultos presentes em sua vida.
#3. Minha vida de cachorro (Lasse Hallström, Suécia, 1985)
Classificação indicativa: livre
Ingemar é um menino inquieto de 12 anos que mora com o irmão mais velho, a mãe, e sua cachorrinha Sickan, sua grande companheira. Sozinha, cansada e doente, a mãe envia os filhos para um temporada com os tios, para que ela possa tentar se recuperar. Ingemar é mandado ao interior da Suécia, onde é bem recebido pelo tio Gunnar. Ali, conhece novos amigos e se insere aos poucos na pequena comunidade, ao passo que precisa lidar com a morte iminente da mãe, com a ausência da cachorrinha e ainda entender o complexo mundo dos adultos. O filme ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e foi indicado aos Oscar de Direção e Roteiro.
#4. Machuca (Andrés Wood, Chile, 2004)
Classificação indicativa: 12 anos
A passagem da infância para a adolescência também se faz presente em Machuca, sobrenome de um dos dois personagens que protagonizam o filme chileno. Gonzalo, loiro, branco e de uma família abastada, torna-se amigo de Pedro, garoto pobre, de origem indígena e morador da periferia de Santiago. Os dois garotos se conhecem na escola, dirigida por um padre progressista que, no Chile do início da década de 1970, decide colocar estudantes de baixa renda dentro da instituição. Conforme a situação política do país se complexifica e a luta de classes se acirra, os diferentes universos de Gonzalo e Pedro começam a perder as pontes possíveis, em meio a transição violenta do governo de Salvador Allende para a ditadura de Augusto Pinochet.
#5. Infância clandestina (Benjamín Ávila, Argentina, 2012)
Classificação indicativa: 14 anos
A temática da ditadura militar e de pais militantes aparece novamente na produção argentina, baseada na vida e na experiência do próprio diretor. Juan, um menino com cerca de 12 anos, vive na clandestinidade junto com os pais e o tio, militantes montoneros. Para fora de casa, Juan tem outra identidade, Ernesto, e precisa escondê-la de seus novos colegas da escola, incluindo a menina por quem se apaixona, assim como ocultar as atividades políticas de seus familiares. Outra produção argentina que também aborda o olhar infantil sobre a ditadura é Kamchatka, de 2002. No Brasil, O ano em que meus pais saíram de férias tem um enredo semelhante.
#6. Filhos do Paraíso (Majid Majidi, Irã, 1998)
Classificação indicativa: livre
Ali, um garoto de 9 anos de uma família pobre leva os sapatos de sua irmã para consertar, mas acaba por perdê-los no caminho de casa. Sabendo que os pais não têm dinheiro para comprar outro, ele e a irmã mais nova passam a compartilhar o tênis do menino, o que fazem escondido e com muitos sacrifícios e artimanhas. Para tentar resolver o problema, o garoto se inscreve em uma corrida infantil, cujo prêmio para o terceiro colocado é um novo par de sapatos. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
#7. O garoto da bicicleta (Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, Bélgica, 2011)
Classificação indicativa: 14 anos
Cyril, um garoto de 11 anos é deixado pelo pai em um orfanato. No início, ele acredita que o pai irá voltar para buscá-lo, mas, depois, decide tomar a iniciativa e procurá-lo. O menino conhece por acaso uma cabeleireira, que compra a sua bicicleta de volta. A pedido do menino, ela permite que ele viva com ela nos finais de semana. Juntos, Samantha e Cyril tentam encontrar o pai, mas ele não quer mais ver o menino e pede que Samantha o adote.
#8. O Tambor (Volker Schlöndorff, Alemanha, 1979).
Classificação indicativa: 16 anos.
O filme – baseado na obra do Nobel de Literatura Günter Grass, que ajudou no roteiro – ganhou diversos prêmios, como o Oscar de Filme Estrangeiro e a Palma de Ouro em Cannes, título que dividiu com Apocalipse Now, em 1979. O protagonista ganha um tambor aos 3 anos, idade na qual decide permanecer para sempre, como “um gnomo”, recusando-se a crescer. Anos depois, ainda com alma de menino, Oskar vive a ascensão do nazismo e expressa o mal-estar por meio do rufar do tambor e de seus gritos.
#9. A língua das mariposas (José Luis Cuerda, Espanha, 1999)
Classificação indicativa: 16 anos
O filme, baseado em três contos do escritor Manuel Rivas, conta a história de Moncho, um menino de 7 anos que morre de medo de ir à escola por acreditar que ali será duramente reprimido por seus professores. Por sorte, Moncho tem como docente a Don Gregorio, já idoso e próximo a se aposentar, por quem o garoto se encanta, passando a se envolver e a desfrutar da escola. Às vésperas da Guerra Civil Espanhola, o menino também passa a viver a intensidade política do momento, que impacta suas relações pessoais, incluindo sua amizade com Don Gregorio.
#10. Indomável Sonhadora (Benh Zeitlin, EUA, 2013)
Classificação indicativa: 10 anos
O filme mostra uma realidade diferente da que estamos acostumados a ver em produções norte-americanas: a vulnerabilidade social presente nos estados do sul do país. Hushpuppy é uma menina que vive com seu pai doente em uma comunidade pobre do estado da Louisiana, em meio a um lugar pantanoso, afetado por enchentes e desastres naturais – em uma alusão aos impactos do Katrina nessa região do país. Quando uma forte tempestade atinge o povoado, a menina recorre à fantasia e busca encontrar a sua mãe desaparecida e curar o pai.
#11. Persépolis (Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud, França, 2007)
Classificação indicativa: 12 anos
A premiada animação está baseada na autobiografia da iraniana Marjane Satrapi, escrita no formato HQ. O filme retrata sua vida até seus vinte pouco anos, detendo-se por um tempo em sua infância, que coincidiu com o período das movimentações populares que levaram à queda do Xá Reza Pahlavi, em 1979, e a subida ao poder dos líderes xiitas. Marjane relembra os impactos das transformações sociais na vida de sua família, formada por intelectuais de esquerda, o que culminou com a decisão de seus pais de enviá-la para a Europa.
#12. Cría Cuervos (Carlos Saura, Espanha, 1976)
Classificação indicativa: indisponível.
A temática da morte, do luto e como ele é vivido pelas crianças está presente nessa obra de Carlos Saura, na qual a pequena Ana procura compreender as razões do falecimento de sua mãe e seu pai, em um curto espaço de tempo. Ela recorre à fantasia para explicar as perdas e passa a acreditar ter poder sobre a vida e a morte das pessoas a sua volta. A menina passa a viver com uma tia e receber uma educação rígida, em um contexto de uma Espanha que chegava ao fim da ditadura franquista. Ela narra suas lembranças vinte anos após as cenas retratadas, criando um diálogo entre as recordações infantis e a vida adulta.
#13. Fanny e Alexander (Ingmar Bergman, Suécia, 1982)
Classificação indicativa: 14 anos
A história do clássico de Ingmar Bergman se passa no início do século 20, na cidade sueca de Uppsala, e reflete um pouco da própria infância do cineasta. Após uma festa de Natal, o pai dos irmãos Fanny e Alexander passa mal e falece. A mãe das crianças decide casar-se de novo com um rigoroso bispo que se torna o padrasto das crianças. Elas vivenciam uma abrupta mudança: de um lar afetuoso, cercado pelas artes e pelo teatro, para uma residência sombria, com regras rígidas. Os irmãos não têm acesso a livros, brinquedos e Alexander passa a fantasiar com o fantasma do pai e também com os da ex-esposa e filhas do padrasto. Conforme a mãe toma consciência da real personalidade do novo marido e de quanto os seus filhos sofrem, passa a planejar uma maneira de levá-los de volta à casa da avó.
#14. Túmulo dos Vagalumes (Isao Takahata, Japão, 1988)
Classificação indicativa: indisponível.
Discutivelmente a grande obra de Isao Takahata, sócio do lendário Hayao Miyazaki no Estúdio Ghibli, a animação de 1988 é também possivelmente um dos filmes mais tristes – e estranhamente bonitos – já produzidos. Ele narra os esforços e a luta pela sobrevivência do menino Seita e sua irmã Setsuko, de quatros anos durante os firebombings que o país sofreu durante a II Guerra Mundial e que causaram entre 200 e 900 mil mortes de civis. Isolados do mundo adulto, em um abrigo construído por eles que é pleno de sentido e carregado de dificuldades, eles enfrentam a tragédia, a morte, a fome, a violência e a indiferença, revelando momentos de solidariedade, cuidado, beleza e amor.
#15. Onde vivem os os monstros (Spike Jonze, EUA, 2009)
Classificação indicativa: 10 anos
Em 1963, Maurice Sendak lança um livro de 338 palavras sobre um menino chamado Max, que ao ser repreendido pela mãe, vê seu quarto transformado numa floresta mágica. Ao chegar lá, domina os monstros e se torna rei. Sentindo-se sozinho, volta para casa onde uma janta o espera. O livro, rejeitado por professores e livreiros, causava enorme fascinação nas crianças e acabou por vender quase 20 milhões de cópias ao redor do mundo. Não à toa: nele estão representados diversas fases e emoções do desenvolvimento infantil, da raiva ao luto, da imaginação à tirania. Essas mesmas 383 palavras viraram um longa-metragem – muito mais indicado para adultos – que olha mais detidamente sobre a jornada de Max neste lugar assustador, escondido, próximo e familiar no qual vivem os – nossos, de todos – monstros.
#16. Bom dia (Yasujiro Ozu, Japão, 1959)
Classificação indicativa: indisponível
Um dos maiores cineastas do Japão, Ozu ficou marcado por usar um ponto de vista do nível do chão (tatame) ao filmar planos internos. A escolha estética faz ainda mais sentido quando em um filme como Bom dia, um dos últimos do diretor, que retrata a batalha de duas crianças – que fazem uma greve de silêncio – para conseguir um televisor em um Japão em franca industrialização e ocidentalização no pós-Guerra. O enredo, aparentemente trivial, revela os choques entre tradição-modernidade, mundo adulto-infância e ocidente-oriente. Um especialista em extrair tudo que há de mais humano e universal na rotina, Ozu traz neste filme um retrato bem-humorado da rebeldia infantil, da vida escolar e dos desafios de um país em reconstrução.
#17. A viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, Japão, 2001)
Classificação indicativa: livre
Vencedor do Oscar de melhor animação em 2003 (o qual Miyazaki não foi receber em protesto à Guerra do Iraque), o filme retrata a jornada de Chihiro, uma menina de dez anos, em um mundo fantástico, no qual ela se vê presa após os pais serem transformados em porcos enquanto mudavam de cidade, deixando seus amigos e rotina para trás. Lá, ela deve vencer as artimanhas de uma bruxa para voltar ao seu mundo. Maravilhosamente ilustrado pelos animadores do Estúdio Ghibli, A Viagem de Chihiro é também o testamento do percurso sensível da protagonista por um universo estranho e pouco familiar, que todos somos forçados a encarar: o fim da infância.
#18. Kes (Ken Loach, 1969)
Classificação indicativa: indisponível.
Morando com a mãe e com um irmão abusivo, o garoto Billy Kasper é estigmatizado pela escola e pelo mundo em que vive, nos arredores da região mineira de York, um local característico da classe operária inglesa em declínio. Desinteressado pelas matérias da escola, Billy descobre um interesse pela falcoaria, começa a estudar o tema e logo captura e domestica um falcão. Um dos primeiros filmes de Ken Loach, um diretor consagrado por retratar as lutas sociais e os desafios das populações mais vulneráveis, Kes apresenta um enfoque próximo e afetivo da vida de um menino remando contra o mundo, movido pela curiosidade, pela inventividade e pela simples necessidade de sobreviver e dar sentido à sua vida, em meio a tudo que lhe agride.
#19. O Contador de histórias (Luiz Villaça, Brasil, 2006)
Classificação indicativa: 10 anos
O filme é uma biografia de Roberto Carlos Ramos. O filme se passa na década de 1970, na cidade de Belo Horizonte. Então um garoto, Roberto vive com a mãe e nove irmãos em uma favela e acaba indo para a Febem, antiga Fundação Casa. Entre a rua a instituição, o menino vai sobrevivendo de pequenos delitos e se torna usuário de drogas. Na rua, conhece a pedagoga francesa Margherit Duvas que decide adotar Roberto, o alfabetiza e o leva à França, onde tem a oportunidade de continuar os estudos. Anos depois, Roberto retorna à Febem, mas como professor, para educar aos internos.
#20. Meu pé de laranja lima (Marcos Bernstein, Brasil, 2012).
Classificação indicativa: 10 anos
Baseado no livro de mesmo nome que atravessa gerações de brasileiros, o filme conta a história de Zezé, um menino inquieto, que vive em uma família muito pobre no interior de MG, com um pai desempregado e alcoólatra e uma mãe que se esforça para manter a casa. Por conta de suas travessuras, Zezé é constantemente submetido a castigos e privações. Solitário, Zezé brinca no quintal e encontra companhia em um pé de laranja lima, o qual apelida de Minguinho. Em uma de suas confusões, acaba brigando com o Portuga, um senhor que vive nas redondezas. Aos poucos, o menino e o velho vão deixando a rivalidade de lado, tornam-se amigos e compartilham histórias do mundo de fantasias de Zezé.
As classificações indicativas foram verificadas na página do Ministério da Justiça.