Mais sobre o tema SMB 2017: Ute Craemer fala sobre “O ritmo que dá força”

17 de maio de 2017

Compreender a importância do ritmo — do tempo, da música, da natureza, do nosso corpo — e se inspirar nele para incentivar o brincar. É esta a proposta de Ute Craemer, educadora e ativista pela defesa do tempo da infância, criadora da Aliança pela Infância no Brasil (hoje é parte do Conselho) e da Associação Comunitária Monte Azul. Leia o artigo, presente também no Guia da Semana Mundial do Brincar 2017 – Inspirações para Experiências Felizes, e aproveite para entrar no ritmo. 

 

O RITMO QUE DÁ FORÇA
por UTE CRAEMER

Um arquétipo de ritmo é o nosso coração e pulmões, com sua interação em nosso sistema cardiorrespiratório. Imaginem como este ritmo é fiel, constante, por anos, décadas, às vezes, um século, até ele repousar e se juntar de novo aos ritmos cósmicos.

Observando a natureza, percebemos os ritmos de dia e noite, das estações, de seca e chuva, dentre tantos outros. Na vida cotidiana, existem ainda os ritmos que nós mesmos criamos, como os momentos de comer, dormir e brincar. O compasso da poesia, da música. A cadência das orações ou o ritual da meditação que ajudam alguns a se conectarem aos seus próprios mundos espirituais.

Ritmo nunca é rotina, pois a rotina é mecânica e ritmo é vida, sempre com pequenas variações para que a vida possa fluir. Principalmente na infância, quando a criança forma seu corpo, sua força vital, sua resiliência, o compasso ritmado é o alicerce para a saúde física e psíquica. Assim, pais e educadores devem estruturar as atividades do dia, da semana, e mesmo do ano conforme um ritmo saudável.

Acordar pela manhã, comer em horas regulares, aprender e brincar, dormir cedo – tudo exige um movimento que organiza a saúde para o resto da vida. A criança, sem olhar no relógio, já sabe que chegou a hora de se divertir, de ir para escola, de fazer suas tarefas. O relógio é interno, faz parte de seu corpo vital. E mais: ritmo dá segurança, confiança na vida. O medo que a criança desenvolve, muitas vezes, tem a ver com a falta de segurança que traz essa organização.

É o compasso do calendário. A criança – de forma mais inconsciente no princípio da vida e mais racional conforme se desenvolve – sente o passar da semana, do mês, do ano. Aos poucos, elas começam a sentir a chegada de seu aniversário, de uma data comemorativa. É o ritmo interno que se estabeleceu.

O ano se estrutura com as festas que aparecem na folhinha: aniversários, celebrações religiosas, festejos de valorização dos rituais dos povos, como as festas de São João e o próprio Carnaval, no caso do Brasil. Outros marcos também organizam o ano, com o Dia do Índio, as celebrações cívicas, o Dia do Professor.

Nossa biografia também tem ritmos. Em muitas culturas, desde os tempos mais remotos, observa-se que o número sete é um ícone relacionado ao tempo: sete dias, sete anos da infância, da adolescência, e depois a maturidade. Sem dúvida existem variações, principalmente hoje em dia, com tantas pressões. Desde o parto, o ser humano é coagido a acelerar seu crescimento, seu desenvolvimento – o que pode converter-se em sérios traumas.

Termino esta reflexão com um trecho do livro “Destroços e traumas”, de Bernd Ruf, literatura de referência para a Pedagogia de Emergência*. O livro explica como um trauma prejudica a vida física, emocional e espiritual da criança e como, entre outras ferramentas, a ritmização da vida ajuda na cura, amenizando os efeitos de traumas para que eles não se tornem fixos dentro da organização vital do ser humano.

“(…) quanto mais jovem for um organismo em desenvolvimento tanto mais intensamente ele depende de cuidados constantes e proteção de seus ritmos biológicos. Isso retornará mais tarde como saúde estável, adaptabilidade e considerável tolerância ao estresse. (…) A ritmicidade orgânica endógena será estabelecida, portanto, nos primeiros anos do desenvolvimento infantil por meio dos ritmos do ambiente, como os dias, semanas, meses e anos, os quais dependem de eventos e de influencias cósmicas.”

* Termo criado pelo pedagogo Bernd Ruf que propõe uma intervenção pedagógica para crianças psiquicamente traumatizadas em regiões de crise.

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