Inspirações e experiências

2022

Sonhar é preciso: como promover uma boa noite de sono para as crianças pequenas

7 de dezembro de 2022

A rotina do dia e o ambiente podem tornar o momento de descanso mais tranquilo e prazeroso para toda a família

Por Camila Salmazio

Se você está lendo esse texto entre bocejos e cansaço, pode ser que as noites de sono não estejam satisfatórias por aí. Mas calma, você não está sozinha ou sozinho, porque o momento de dormir é realmente desafiador para muitas famílias de crianças pequenas. 

Os motivos que levam os cuidadores a serem verdadeiros cosplayers de zumbis são científicos, e podem se dar devido ao desenvolvimento do cérebro, mas também por questões emocionais, já que na primeira infância as crianças passam a aprender a lidar com as várias sensações e sentimentos. “O sono, ao longo do desenvolvimento humano, tem suas especificidades e características. Não considerar isso é, na verdade, esperar da criança algo que não é compatível com o desenvolvimento dela”, destaca Ila Linares, psicóloga, Doutora em Saúde Mental pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em clínica Analítico-Comportamental.

Linares, que também é certificada em Psicologia do Sono pela Associação Brasileira de Sono, acalenta o coração dos cuidadores quando explica que é comum que os pequenos acordem algumas vezes durante a noite, porque as etapas do sono, desde a mais leve até a mais profunda, são mais curtas na infância. “Esse ciclo dura menos tempo na criança do que no adulto e são esperados micro despertares ao final de cada uma dessas etapas. A questão, na verdade, é o quanto ela, gradativamente, vai conseguindo voltar a dormir.”

Apesar de não existir uma receita mágica e a hora do dormir também estar relacionada a cultura e costumes de cada família, o sono é essencial para todos. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, crianças de 1 a 6 anos devem ter em média de 11 a 14 horas de sono, incluindo as sonecas do dia. Porém, olhar para esses números pode ser um tanto preocupante para alguns pais que já identificaram dificuldades nesse processo de adormecer.

A neurologista infantil e médica do sono Leticia Azevedo Soster afirma que assim como a criança aprende a andar, brincar e comer, a entrega para um sono positivo também deve ser aprendida. 

“A independência do adormecer passa por um processo da criança ter capacidade de se auto acalmar e controlar suas emoções. Então é muito importante que a criança crie essa habilidade. Os pais têm que ensinar e não tentar acalmar por ela, a não ser que a criança tenha algum problema”, ressalta Soster.

A médica diz que é comum ouvir no consultório o uso de mecanismos como chacoalhar ou embalar, oferecer mamadeira e até dar antialérgicos para ajudar a criança a pegar no sono. Mas a prática não é recomendada pela especialista. “Os pais tentam dormir pela criança e a impossibilita de tomar atitude sozinha.”

Nesse sentido, o “Confiar para se entregar”, tema da Semana do Dormir 2022, aponta aspectos fundamentais para a regulação do sono. Um ambiente que transmite segurança e uma rotina que ajude a criança a prever o próximo passo entre suas tarefas são elementos que contribuem para um dormir tranquilo. 

Para garantir esses elementos fundamentais, primeiro é preciso começar pela empatia com os pais ou cuidadores. “É compreensível que eles queiram que a criança durma a noite toda até por exaustão parental. E para isso é necessário orientar e instrumentalizar esses pais, fazê-los compreender como se dá o sono e as necessidades de uma rotina”, ressalta Ila Linares. 

Presença e confiança

Na casa do Miguel, de 3 anos, a rotina do sono é iniciada antes do dormir em si. “Eu começo a preparar ele pra dormir por volta das 20 horas. Se a gente demora muito, ele me pede. Aí a gente escova os dentes, coloca o pijama, toma a mamadeira e dorme com o bichinho de pelúcia”, relata a mãe e artesã Michele Carvalho, que optou por colocar a cama do menino no mesmo quarto, ao lado da cama de casal. O momento de dormir conta com a presença da mãe para transmitir segurança e afeto. Ainda assim, Michele avalia que ele tem o sono leve e dificuldades para fazer sonecas durante o dia, elemento considerado  importante nessa fase da vida dentro das etapas do sono. 

O psicólogo Thiago Gusmão, Doutor em Educação e Saúde na Infância e Adolescência pela Unifesp afirma que “algumas crianças podem atingir um padrão estável e confortável de sono, enquanto outras vão demorar mais para terem uma rotina de sono”. 

Além disso, fatores de ordem biológica ou ambiental também podem interferir.  Regular o tempo de telas, as luzes e os ruídos do ambiente ajudam a criança a se entregar para o descanso de maneira mais gentil. “Outro fator importantíssimo é a própria relação mãe-bebê e pai-bebê, quando alguns pais ficam agitados e preocupados, transmitem isso no seu comportamento e na condução do momento de preparo para dormir. Em relação aos fatores biológicos em crianças com desenvolvimento atípico, os problemas de sono são atribuídos frequentemente a anormalidades neurológicas ou físicas, associadas a dores, desconforto, agitação, temperamento, entre outras.”

É comum ouvir os responsáveis dizerem que a criança não gosta de dormir ou que está “brigando com o sono”. Essas frases empíricas têm, na verdade, fundamento científico, como explica a neurologista Soster: 

“O sono é um processo de entrega, não é uma batalha, porque isso acaba ativando o cérebro para um mecanismo completamente diferente do adormecer, que é o mecanismo do alerta. Nesse sentido, estar em um ambiente emocionalmente confortável, onde ela confie nas pessoas e consiga se entregar facilita muito.”, diz a neurologista, que não recomenda forçar a criança a dormir. 

Michele percebe esse mecanismo com clareza no filho, que se recusa a dormir no colo e geralmente desperta no momento que começa a ficar mais relaxado. Mas se dormir é tão gostoso, porque as crianças muitas vezes lutam contra o sono? 

“Dormir é bom, mas sentir sono, não é nada bom. A criança ainda está aprendendo a reconhecer suas sensações e sentimentos e o que você faz com uma sensação que você não gosta, como fome ou qualquer desconforto que você possa ter. Como a criança se relaciona com esses desconfortos? Isso fica claro quando a criança ainda não consegue fazer essa auto regulação”, lembra Soster.


Medos noturnos

Os despertares acompanhados de choro e gritos podem ser fruto de pesadelos, algo comum na primeira infância, principalmente a partir dos 4 anos, segundo o psicólogo Thiago Gusmão. “A frequência e intensidade, e o grau de desconforto que gera, deve ser sempre observada pois pode indicar um outro distúrbio do sono”, alerta o especialista.

Quando o bicho papão habita o sono dos pequenos, a família pode ajudar com acolhimento para que ela compreenda que não se trata da realidade e que está segura. Os pais e cuidadores também podem conversar sobre o conteúdo do sonho para entender de que maneira está afetando a criança. 

Além de ser fundamental para o desenvolvimento, ter um sono adequado nessa fase contribui para a saúde psíquica, controle da pressão arterial e o aprendizado. 

Se a noite está afetando a vida da família como um todo ou o desenvolvimento da criança durante o dia, é hora de procurar um profissional para uma avaliação, como ressalta Leticia “Durante a noite a gente tem sintomas que podem interromper o sono ou deixar o sono mais instável. Se isso interferir no funcionamento do dia, no processo atencional, na tranquilidade e nas emoções da criança é bom buscar ajuda”. 

O pediatra pode ser o primeiro aliado na identificação de possíveis distúrbios do sono. “O  ideal é que o pediatra inicialmente faça a análise a fim de perceber quais métodos e abordagens de orientação e educação parental são necessárias. E quando a condição de sono da criança for um problema persistente e de maior prejuízo, o médico especialista do sono é quem deve ser consultado com vistas a conduzir o diagnóstico e as indicações de abordagens de tratamento mais adequadas, seja elas médicas e/ou comportamentais.”, finaliza Thiago. 

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