Inspirações e experiências

Dormir

Quando uma criança dorme – por Marcelo Nonato

20 de dezembro de 2020

Ouça o depoimento pessoal de um pai sobre o adormecimento de sua filha

Muito tempo atrás, quando minha esposa engravidou, decidimos oferecer o melhor que podíamos ao pequeno ser que em breve viria participar de nossa vida. 

Na época, tínhamos uma vaga noção sobre a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento do indivíduo e, por conta disso, como muitos pais, procuramos nos preparar fazendo cursos, assistindo palestras e lendo bastante sobre o assunto. 

Uma das palestras que mais nos marcou falava sobre a importância do ritmo na vida da criança. Em um determinado momento, ao falar sobre a importância do dormir na fase inicial da vida, a expositora destacou que, além de contribuir para o seu desenvolvimento, o sono dos filhos também é essencial para uma melhor qualidade de vida dos pais. Nunca havíamos pensado sobre isso!

A importância do dormir para a criança é relativamente fácil de compreender, há muita informação acessível. Do ponto de vista fisiológico, durante o sono acontece a reposição de energias e a secreção de determinados hormônios que favorecem a saúde e o seu desenvolvimento. Do ponto de vista psíquico, segundo a psicóloga Rosa Pantoni*, ao dormir, a criança encontra espaço para processar memórias, ter insights e reorganizar conexões cerebrais que ajudam na imaginação e criação. 

Para o médico antroposófico Derblai Sebben*, durante o sono, a criança e todos nós podemos beber da fonte dos arquétipos, daquilo que nos faz humanos. “Quando durmo e acordo refeito, sei do que se trata. Acordo ‘novo’ para um novo dia”- pontua o especialista.

Voltando à palestra, dizia a expositora que o sono da criança é um momento precioso para a vida em família, pois abre a possibilidade para que ambos, criança e pais, se desconectem emocionalmente por algumas horas e possam viver, cada qual, a sua vida. Os pais, então, podem se dedicar plenamente ao convívio conjugal, sem a preocupação dos cuidados com a criança. Podem fazer coisas de adultos ou conversar sobre assuntos que não seria saudável para a criança acompanhar. Contudo, para que isso aconteça é importante estabelecer um ritmo diário que permita à criança dormir cedo para aproveitar integralmente a manhã do dia seguinte.

Com base nesse aprendizado, conseguimos estabelecer um ritmo cotidiano para a nossa filha, com um momento significativo de recolhimento e introspecção na hora dela dormir. Fizemos isso desde o tempo em que ela era bebê até por volta dos sete anos de idade.  

Esse momento de introspecção envolvia reduzir a iluminação, falar mais baixo e evitar brincadeiras estimulantes. Incluía também cantar algumas canções de ninar, uma breve oração e, por fim, uma despedida. Saíamos do quarto para que ela encontrasse por si mesma o caminho do sono e aprendesse, desde pequena, a dormir sozinha.

Quando ela chegou na época do brincar de imaginação, incluímos a contação de histórias propícias ao adormecimento e criamos uma narrativa que falava sobre esse momento de despedida. 

Era uma história sobre um senhor bondoso, o Senhor Soninho,  que vinha com sua carroça buscar todas as crianças das redondezas para levá-las ao país dos sonhos. Nesse país só as crianças poderiam entrar, não os adultos, e, bem, ele já estava quase chegando à nossa porta…

Se, durante o dia, passarinhos houvessem lhe chamado a atenção, dizíamos que o Senhor Soninho levaria as crianças ao “país dos pássaros”, onde poderiam avistar pássaros lindos, uns vermelhos com a barriga branca, outros com asas azuis ou verdes. Se fosse um cachorro o motivo de sua atenção, falávamos sobre o “país dos cães”, marrons e brancos, pequenos e grandes, que adoravam brincar e correr com as crianças. Se durante um passeio na rua, ela houvesse recolhido folhas (crianças adoram colecionar coisas!), dizíamos que o Senhor Soninho levaria todas as crianças ao incrível “país das folhas”, onde poderiam encontrar folhas de todos os formatos, cores e cheiros. E assim por diante. Todos os dias. Durante alguns anos.

Fomos felizes. Criar essas pequenas histórias povoava de belas imagens o universo da sua imaginação interior e nos enchia de alegria e paz também.

Certamente, cada família tem a sua dinâmica e saberá encontrar a melhor maneira de proteger o desenvolvimento de seus filhos, preparando-os diariamente para adentrar com tranquilidade a esse portal para o inconsciente desconhecido, que é o momento do sono. Para nós, o principal aprendizado que ficou desse tempo foi que as crianças precisam dormir, dormir bem e dormir muito.

Marcelo Nonato é arquiteto, consultor na área de responsabilidade social, integrante do Conselho Deliberativo da Aliança pela Infância e pai de uma jovem de 26 anos.

* O pensamento dos dois autores citados pode ser encontrado na publicação “Reflexões sobre o ABCD Encantado da Infância”, produzida pela Aliança pela Infância em 2017. Acesse >

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