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#PensarAInfância: pedagogia Waldorf aposta em artes, contato com a natureza e currículo flexível para desenvolvimento humano

17 de abril de 2019

Diversas reportagens e artigos publicados no site da Aliança pela Infância trazem nomes de pensadores e abordagens usadas na educação, em especial na primeira infância. Da escola construtivista de Lev Vygotsky e Jean Piaget à freiriana de Paulo Freire; da montessoriana de Maria Montessori à Waldorf de Rudolf Steiner. Cada uma dessas linhas possui saberes e características próprias que orientam o processo de ensino-aprendizagem.

Com o objetivo de falar sobre as aspectos de algumas teorias, linhas de trabalho e práticas pedagógicas do campo da infância, a Aliança dá início a uma série de matérias sobre pensadores da educação. Começamos pela pedagogia Waldorf, que já figurou em diversos textos no site.

Criada pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner em 1919, a abordagem pedagógica usa de princípios da antroposofia – conhecimento profundo do ser humano, da qual Steiner é fundador – para defender e propor, a partir de uma compreensão antropógica da criança, uma abordagem holística, com clareza no pensar, equilíbrio emocional e iniciativa de ação.

Com a criação da primeira escola Waldorf para filhos de funcionários da Fábrica Waldorf-Astoria, Steiner, elaborou quatro princípios para guiar a instituição de ensino: 1. a escola seria aberta para todos os públicos; 2. deveria ser co-educacional com um currículo unificado de 12 anos; 3. os professores seriam responsáveis pela direção e administração da escola; e 4. a escola não deveria ter fins lucrativos.

Desde quando foi criada, a abordagem se espalhou pelo mundo. Atualmente, mais de 60 países fazem uso de seus processos de ensino-aprendizagem que visam a formação de adultos livres, com pensamento individual e criativo, sensibilidade artística, social e pela natureza, uma vez que destina-se também a sustentação do desenvolvimento integral da criança e do jovem. Segundo dados da FEWB de 2019 existem no Brasil 88 escolas Waldorf filiadas, sendo 42 jardins de infância, 19 escolas com Fundamental I e 15 com Fundametal II e 14 escolas que vão até o Ensino Médio nas cinco regiões brasileiras. Além destas outras 180 iniciativas Waldorf estão em processos de filiação.

Mas, na prática, quais são as características específicas da pedagogia Waldorf? Leonardo Paschoal, membro do núcleo da Aliança pela Infância de Aracaju (SE), pedagogo e fundador do Jardim de Infância Arcanjo Raphael e Cristina Velasquez, articuladora pedagógica da Federação de Escolas Waldorf no Brasil, explicaram alguns conceitos fundamentais.

Apesar de apontarem algumas características dessa abordagem pedagógica, é importante ressaltar que não se trata de determinações rígidas e fixas, possibilitando que cada escola siga a pedagogia com adaptações que julgar necessárias.  

Princípios da Pedagogia Waldorf

“Os princípios da pedagogia Waldorf estão fundamentados e muito conectados com a antroposofia. É uma pedagogia focada no desenvolvimento do ser humano, na compreensão das fases de desenvolvimento e, a partir disso, há a proposição de um currículo específico respeitando essas etapas. O currículo é aliado a uma ideia de permitir que a criança consiga desenvolver um caminho para a liberdade. Por isso a metodologia Waldorf é chamada de uma educação para liberdade, no sentido da criança poder trazer aquilo que tem como característica própria e encontrar a clareza da sua missão e como ela pode contribuir com a sociedade. Tudo isso por meio das artes – música, canto, movimento, jardinagem, marcenaria -, percepção das questões sociais, das relações sociais, do cuidado com o outro e com o planeta. A proposta é organizada em três setênios [ciclos de vida de sete anos], estimulando o desenvolvimento saudável dos seres humanos”, explica Cristina.

Leonardo completa. “A questão principal da pedagogia Waldorf é a preservação da infância. Durante a infância, a pessoa está em plena formação dos ossos e órgãos vitais. É prejudicial que essa força, que também está disponível para o aprendizado, seja usada antes da hora para que a criança aprenda uma letra, ou outra língua. Na verdade, a pedagogia Waldorf é a pedagogia da hora certa, porque aprender mais tarde do que deveria também apresenta problemas. Existe uma grade curricular, cujos – princípios inspiram propostas pedagógicas em diversos países – e que preza pela preservação desse momento único que é a infância e que tem sido tão deteriorado.”   

Dentro da PW, há uma profunda preocupação com as transições, como, por exemplo, da criança que sai do Jardim e segue para o Ensino Fundamental e, posteriormente,  seu ingresso no Ensino Médio.

As forças que estão à disposição do ensino nos primeiros anos escolares trazem o frescor da criança pequena com a maturidade que será adquirida ao longo dos anos e possibilita o uso da memória. Dessa maneira, a língua materna ou língua estrangeira são trabalhadas em ritmos como canções, trava-línguas ou poemas e penetram no íntimo do aluno por identificação com o tema abordado. O educador digno de imitação no primeiro setênio dará vez para o professor que revelará os segredos do mundo à criança de segundo setênio, respeitando a autoridade carinhosa daquele que a conduzirá por meio do conhecimento.  Assim, ao chegar no Ensino Médio, encontrará os professores especialistas e a busca pela verdade estará na relação deles com a matéria que ministram.

A relação do desenvolvimento do ser humano com o desenvolvimento da humanidade forma a base para o ensino, que é ministrado em épocas (cerca de um mês em cada disciplina), possibilitando o dormir/acordar de cada assunto.

O papel das artes e trabalhos manuais no currículo Waldorf

Cristina afirma que a arte permeia todas as atividades na escola Waldorf, seja nas aulas elaboradas pelos professores ou nos materiais produzidos pelos alunos. “A criação artística livre leva o aluno a fazer com que ele tire de dentro de sí soluções, ideias, concepções que o preenchem. Não se pretende criar especialistas em artes e sim que esta contribua para que o aluno se autorreconheça com a ajuda dos professores que o acompanham e ajudam a trilhar este processo, refletindo sobre seu contexto social e cultural por meio de novas percepções e vivências.”

Para ser um professor Waldorf, os pedagogos ou especialistas em suas áreas devem fazer uma formação específica que dura em média 4 anos. Existem no Brasil 19 cursos de formação em Pedagogia Waldorf em diferentes estados brasileiros.

A importância da relação com a natureza

“O ambiente da prática pedagógica na escola Waldorf contempla diferentes espaços físicos, pois compreende a necessidade de interação da criança com o mundo. Não só a natureza tem grande importância, mas tudo que rodeia a criança. O aluno é levado a cultivar um interesse pelo mundo, pela humanidade, por toda a sua história, pelos seres que ali habitam e por todo conhecimento cultural existente. Ir ao mundo para buscar vivências, observações e material de estudo para uma aula é muito mais interessante do que somente olhar livros. Observar em detalhes e desenhar uma espécie botânica, observar cuidadosamente o céu e perceber seu movimento astronômico, entender um espaço geográfico por meio da vivência in loco de seu povo e sua cultura são exemplos de como o ensino pode ter um caminho que ativa a percepção viva dos conhecimentos e da memória e dos sentidos no caminho do aprendizado”, ressalta Cristina.

“A nossa escola fica dentro de uma chácara. Aqui as crianças ouvem barulhos naturais e têm tempo certo de fazer cada coisa, como alimentar as galinhas. Essa descoberta do mundo natural está muito ligada ao processo de desaceleração. Estamos vivendo um movimento de inversão: se antes o comum era sair do rural e ir para o urbano, muitas pessoas estão querendo voltar para o rural por uma questão de saúde. É necessário ter uma vida mais natural, consumir alimentos orgânicos, definir um ritmo saudável. O que uma criança faz em um jardim de infância Waldorf? Ela está aprendendo a respirar e, com isso, ter um ritmo saudável e aprender o que é de dentro e o que é de fora. Ela brinca um pouco dentro, arruma as coisas, brinca um pouco fora, arruma as coisas. E com isso constrói um ritmo”, defende Leonardo.

Provas, notas e avaliação

A avaliação na pedagogia Waldorf se dá de forma contínua e diversificada e considera o aluno em seus diversos aspectos. De acordo com Cristina, ela pretende ser tanto um retrato da situação de aprendizagem quanto um ponto de partida para desenvolvimentos posteriores para cada aluno. Os professores estão igualmente preocupados com o desenvolvimento da personalidade e do progresso da aprendizagem de seus alunos. 

“Não se considera apenas o nível de conhecimento, mas o desenvolvimento geral durante um certo período de tempo. No final de cada ano é feito um boletim descritivo por todos os professores onde será registrado o desenvolvimento do aluno. O processo avaliativo é feito a partir de alguns produtos, como os cadernos produzidos ao longo do ano, considerados materiais didáticos próprios, uma vez que a pedagogia Waldorf não trabalha com material didático padrão. Em algumas ocasiões podemos acessar, como apoio, algum material paradidático, mas ele não é essencial”, explica Cristina.

Exposição às telas

“Acredita-se que as fases de desenvolvimento da criança indicam caminhos pelos quais a prática pedagógica deve ocorrer. Conhecê-las e respeitá-las torna-se uma tarefa central da educação. Apesar de saber que os meios eletrônicos são uma realidade e não há como negá-los, entendemos que há consequências prematuras às crianças quanto uso excessivo e a falta de controle pelas famílias e escola ocorre. Uma tela diante da criança pequena pode prejudicar suas habilidades motoras, sua tendência a se expandir, sua capacidade de concentração. Em crianças maiores pode haver o enfraquecimento da capacidade de imaginação e a inoculação de imagens feitas pela mídia  e um risco de dependência. Isso pode acelerar o processo de desenvolvimento da criança, desrespeitando seu caminho natural e exigindo uma maturidade para a qual ainda não está pronta. Além disso, pode afetar o processo de desenvolvimento da criatividade e trazer um caráter reducionista acerca da realidade. A proposta da PW estimula os alunos a outras formas de pensar, de ser e estar no mundo desenvolvendo habilidades necessárias à vida contemporânea. Nas escolas Waldorf o uso dos meios eletrônicos se dá a partir do Ensino Médio, afirma Cristina.  

Cristina complementa que é interessante notar que, no Vale do Silício, Califórnia, uma escola Waldorf é um dos estabelecimentos que mais recebem os filhos dos diretores de grandes empresas de tecnologia. Para ela “apesar de serem os criadores dos eletrônicos dos mais sofisticados, os pais têm refletido sobre os efeitos negativos desses aparelhos na vida de seus filhos e preferem propostas educacionais pensadas em outras bases.”

Saiba mais sobre o caso do Vale do Silício

“A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) sugere em um relatório global que os sistemas educacionais que investiram muito em computadores registraram pouca melhora em seus resultados de leitura, matemática e ciências no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). Por conta disso, os melhores sistemas educacionais foram muito precavidos na hora de usar a tecnologia nas salas de aula“, conclui.  

Participação da família no ambiente escolar

“As famílias são fundamentais. Quando uma criança chega na escola, você adota a família inteira. Essa criança não está solta no mundo. O Jardim [de Infância] também não está solto. Ele precisa da participação da família para que essa possa entender o que acontece aqui. A família, misturada ao Jardim, constitui uma comunidade que comunga com os mesmos ideais e colabora para que a coisa funcione. A escola não é dona do conhecimento. Tudo está aberto para a família compreender, se quiser, e a maioria quer. Isso integra ainda mais e proporciona um ambiente caloroso e mais saudável. A confiança, a sociabilização e aproximação com os outros fazem parte do mundo Waldorf. A família faz parte da escola, a escola está dentro da família e a criança está protegida no meio desse elo”, afirma Leonardo.

Gostou de saber mais sobre a Pedagogia Waldorf? Quer se aprofundar no assunto? Acesse o site da Federação das Escolas Waldorf e acesse outros materiais.

 

*As imagens que ilustram a matéria foram retiradas do vídeo sobre o Jardim Arcanjo Raphael, que pode ser conferido neste link

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