Conheça as caixas que alimentam a criatividade da criançada durante a pandemia
No Brasil, o brincar é um direito garantido pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Marco Legal da Primeira Infância. O ato de brincar é, além de um direito, um mecanismo essencial para a saúde emocional das crianças, principalmente em seus primeiros anos de vida. Porém, com a vinda da pandemia, o brincar de muitos foi interrompido ou prejudicado.
Muitas crianças foram afastadas do convívio em espaços lúdico-educacionais que proporcionam o brincar em suas rotinas. O cenário é ainda mais preocupante para as famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, onde as escolas assumem também o papel de provedoras de alimento e lugar de convívio, segurança e criatividade.
Foi refletindo sobre as dificuldades da pandemia para crianças de baixa renda e pelo direito do brincar, que um coletivo de mulheres uniu esforços para a criação do projeto Nutrição para Imaginação, nome que também batiza o coletivo.
Neste momento, integram o grupo: Emi Tanaka , Fernanda Duarte, Francina Buonanotte, Gisele Bance, Ligia Jalantonio, Lisian Lasmar , Luisa Leme, Renata Laurentino e Suely Bloch.
O projeto consiste em oferecer caixas dedicadas à imaginação da criançada em parceria com outras organizações que fornecem uma cesta básica para toda a família. Dessa forma, o projeto consegue proporcionar, atrelado à alimentação do corpo, um alimento também para a alma dos pequenos.
Como surgiu a ideia de montar caixas lúdicas (com materiais de arte e objetos que proporcionam brincadeiras) para famílias com crianças e que se encontram em situação de vulnerabilidade social?
No primeiro mês de distanciamento social, as escolas foram fechadas e nos deparamos com um cenário inédito, no
qual todas as crianças estariam em tempo integral em suas casas convivendo somente com seus familiares. No caso de famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade social, o cenário é ainda mais preocupante, em virtude da qualidade do espaço doméstico.
Quando nos deparamos com essa realidade, só conseguíamos pensar nas crianças no meio de tanta pressão, instabilidade e incertezas, e muitas perguntas surgiram: Como elas estariam emocionalmente e como seria possível garantir o direito de brincar? Como seria possível proporcionar momentos nos quais elas pudessem criar e imaginar junto com as pessoas que moram com elas?
A resposta que encontramos foi enviar para as famílias, o mais rápido possível, uma caixa com materiais de arte, elementos da natureza, materiais não-estruturados, dedoches, livros e sugestões de brincadeiras impressas para que elas pudessem soltar a imaginação e inventar “seus próprios mundos” possíveis neste momento.
Muitos grupos e organizações estavam fazendo um trabalho emergencial de entrega de cestas básicas. E entendemos que o alimento para o corpo estava chegando, e que nossa caixa poderia se tornar o alimento para a alma daquelas crianças.
Como outras formas de apoio foram se agregando a essa iniciativa?
Uma publicação feita nas redes sociais, pela arte-educadora Renata Laurentino, pedindo doações de materiais de arte, jogos e afins foi o convite irresistível para muitas pessoas que queriam contribuir de alguma maneira naquele momento, mas não sabiam como.
Depois de três dias desse “chamado”, estávamos em reuniões online, desenhando o que chamamos de caixas de “Nutrição para Imaginação”, pensando no conteúdo da caixa para instigar a imaginação e o livre brincar das crianças. Prontamente lançamos uma campanha de arrecadação de doações nas nossas redes e, com o crescimento da visibilidade da ação, também recebemos doações de organizações e fundações que preferem se manter anônimas.
Como se deu o processo de pensar uma caixa que atendesse à necessidade da família (a interação da criança com os familiares) e não apenas da criança?
A pandemia trouxe um aspecto muito diferente para o dia a dia de muitas famílias, pois apresentou a oportunidade delas estarem mais juntas, convivendo por um período muito mais extenso que o usual. No entanto, não nos cabe romantizar essa experiência, uma vez que boa parte das famílias atendidas não tem condições materiais e emocionais necessárias para estreitar vínculos neste momento.
Selecionamos materiais muito atrativos e de excelente qualidade, que favorecessem a livre expressão da criança, mas que também são convidativos para os adultos. Elaboramos sugestões de atividades e brincadeiras para todas as idades e com potencial de integrar a família, a partir de muita mão na massa com recortes, colagens, montagem, contação de histórias, jogos, entre outros. Queremos proporcionar uma experiência na qual as crianças sejam vistas e a brincadeira tenha um lugar de importância garantido.
Quais foram os ecos desse projeto, tanto para as organizações que trabalham com a infância, quanto para as famílias envolvidas?
Desde as nossas primeiras reuniões, tínhamos clareza de que nunca conseguiríamos chegar em todas as crianças em situação de vulnerabilidade em nossa cidade, quiçá nosso país. Então começamos a registrar todo o processo em textos e imagens para lançar junto com a primeira entrega um pequeno “Guia de Inspiração” para impulsionar outras ações que pudessem ser feitas por outras pessoas, grupos e organizações formais e não formais. Também nos colocamos à disposição para conversas inspiradoras em lives ou encontros virtuais e gravamos vídeos sobre as diversas partes do nosso processo, seja criativo, seja organizacional, e publicamos no YouTube.
Até onde temos conhecimento, mais 14 ações foram realizadas em diversas cidades inspiradas nas caixas de “Nutrição para Imaginação”.
No mês de novembro publicaremos uma série de vídeos em nossas redes sociais, com as pessoas desses outros movimentos. A proposta é contar um pouco mais sobre as ações e como isso chegou até as crianças.
Recentemente, o nosso Guia de Inspiração e propostas para brincadeiras foram traduzidos para o espanhol. Nossa intenção é apoiar outros movimentos de cuidado com a infância também na América Latina.
Para mais detalhes e maneiras de contribuir com o coletivo > clique aqui.
