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Indicação – oito autores clássicos para desvendar a infância

5 de julho de 2016

Por Rosane Pavam, editora de Cultura da revista CartaCapital,
em texto especial para o Promenino

Criança é complicada. A mais deliciosa das complicações. Não somos mais crianças, eis o fato. Mas talvez ainda possamos nos tornar pequenos, aumentando o próprio tamanho? A literatura infantil não tem sido feita pelos infantes, mas por aqueles que a alcançam na imaginação. Monteiro Lobato foi em seu tempo um príncipe imaginativo. Podemos não reconhecer isto quando o lemos hoje, ele parece escrever difícil. Mas devemos a ele toda a revolução.

Então, quando decidir ler para uma criança, interprete Lobato a ela. Interprete a si próprio…

Procurei, por aqui, elencar o que li, aquilo de que me recordo, uma insistência infantil que transmiti a meu irmão nove anos mais novo, a meus filhos, trinta anos depois de mim. Uma literatura infantil que muito me ocupou, e ainda ocupa, a memória.

“O Matador”, Wander Piroli, Cosac Naify
Wander Piroli talvez seja a estrela mais bem guardada da literatura infantil brasileira. Uma explosão da poesia em prosa. Ele explora o invisível que não pode ser dito, embora se encontre presente. O terror da infância, o horror de iniciar-se no mundo. Em “O Matador”, livro curtíssimo, o brasileiro comenta a tristeza de ser menino quando é preciso matar o que há de mais vivo em si, sendo a vida um pardal, sendo um pardal muito mais que um bicho.

 


“Os Risadinhas”, Roddy Doyle, Estação Liberdade

“Os Risadinhas” são aqueles duendes que colocam no caminho dos pais castigadores de filhos os cocôs mais caprichados e quentinhos. A intenção de Roddy Doyle, o autor que J. K. Rowling, a criadora de Harry Potter, dizia admirar, é elevar a razão das crianças sobre a indigência imaginativa dos adultos. Doyle não só aponta as diferenças entre eles com suspense, explosivo humor. Ele está ao lado das crianças, integralmente favorável a sua percepção.

 

 

“O Menino Maluquinho”, Ziraldo, Melhoramentos
“O Menino Maluquinho” é uma boa obviedade quando se trata de ler para crianças. A obviedade é até mesmo sua razão de ser. A criança, diz Ziraldo, está sempre certa, e ela própria precisa saber disto, de todo o tempo que há sob seu domínio. É das grandes literaturas apoiadas na imaginação infantil, reivindicadora dela, como “Os Risadinhas”.

 

“Alice”, Lewis Carroll, Zahar
Toda arte é sonho, parece dizer Lewis Carroll sobre sua Alice, a menina só, em luta contra os monstros da melancolia. Talvez Carroll tenha ele próprio combatido a monotonia com suas matemáticas. As aventuras de Alice parecem às vezes irresponsáveis, às vezes arbitrárias, como fez notar Jorge Luis Borges, mas em realidade apresentam-se como grandes aventuras da imaginação, e não apenas daquela infantil. O homem como a medida de si mesmo, seu inconsciente como todas as possibilidades infinitas.

 

 

“As Aventuras de Pinóquio”, Carlo Collodi,
Companhia das Letrinhas

Não há história mais assombrosa ou assombrada que esta de Pinóquio, livro feito para acomodar a criança a seus fantasmas. Seu autor pretendia fazê-la dormir quieta ou assustada, mas também aliviada da carga de pensar no que deu errado. Nada deu errado, exceto para Pinóquio, que a certa altura do livro morre, para então renascer. Carlo Collodi era hipnótico para as crianças como, em certa medida, a psicanálise o seria para os adultos.

 

 

 

“A Reforma da Natureza”,
Monteiro Lobato, Globo

Monteiro Lobato pode ter sido elitista em alguns momentos. O elitismo como o entenderíamos hoje, não então. Um certo preconceito em relação à ideia de que um excluído pudesse pensar da maneira certa, erudita. Um racista contra os animais. Mas ninguém negará que foi mágico. Em “A Reforma da Natureza”, ele fez sua Emilia querer ajustar tudo à funcionalidade do mundo vindouro, estender a ideia de progresso (de ciência) àquela do infinito (da criação poética). Mas Emilia se provará errada. A poesia não progride, a poesia é a poesia.

 

“Peter Pan e Wendy”, J. M. Barrie,
Companhia das Letras

Um livro que ensinou as crianças a voar. Voar é preciso, voar é transcender-se, sem deixar de ser criança jamais. Que não passe a consciência, ela de nada serve, é preciso andar sem ela, a sombra é apenas um acessório que se costura ao corpo, se alguém o quiser costurar. J. M. Barrie escreveu para o teatro, para que a peça rendesse às crianças pobres. Rendeu para todas as crianças, para um grande universo da imaginação.

 

“Luciana”, Graciliano Ramos, 
Galerinha Record
Luciana sabe onde o diabo dorme. Sua história, publicada no livro “Insônia”, de Graciliano Ramos, narra o conflito da criança que cresce, incapaz de entender os adultos, seus calcanhares apoiados em saltos imaginários. Graciliano Ramos é um despertador de adultos. Talvez tivesse sido um Monteiro Lobato que Monteiro Lobato gostasse de haver sido. No sentido de que é complexo enquanto simples, de que deixa aflorar a inconsciência, a irreverência, da criança como de todos.

 

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