Inspirações e experiências

Dormir

Descubra como incentivar a autonomia da criança na hora de ir para cama

20 de dezembro de 2020

Para entender melhor o ato de dormir no universo das crianças, a Aliança conversou com Carmen Orofino, Eliana  Sisla, Suzana Macedo Soares e Tânia Fukelmann Landau; estudiosas e pesquisadoras da abordagem Pikler. 

A abordagem Pikler é uma orientação pedagógica desenvolvido pela médica húngara Emmi Pikler, que valoriza o vínculo com os adultos e ao mesmo tempo a independência que ela necessita para o seu desenvolvimento. Juntas, as estudiosas trazem olhares e experiências de percurso sobre o ato de dormir na infância em entrevista respondida coletivamente para a Aliança.  

Confira!

Como implementar uma rotina de descanso para as crianças sem tolher a energia delas em determinada hora da noite? 

Quando se fala em sono de bebê e criança pequena é preciso considerar todas as ações realizadas por eles durante o dia. Ou seja, a forma como foi a vigília, os momentos de brincadeira, de descanso e de cuidados influenciam a qualidade do sono. E quando a rotina é organizada, isso permite que a criança possa antecipar o que vai acontecer, preparando-se e se sentindo segura na hora de ir para a cama. 

A regularidade e a previsibilidade são muito importantes. É desta forma que a criança poderá estabelecer uma relação de confiança com o adulto que cuida, sobretudo quando ela está fora do seu ambiente habitual.

A criança que está segura em relação ao adulto e tem oportunidade de exercer suas atividades diurnas de forma autônoma, constrói competências para entregar-se ao sono com tranquilidade.

Quando o dia vai terminando, é hora de reduzir o ritmo das propostas. Abrir um livro e contar histórias são boas opções. Já o uso de telas pode atrapalhar esse processo, excitando a criança.

O papel do adulto é acompanhar a criança para que ela construa recursos para identificar sua necessidade de sono, para se desligar das atividades da vigília e encontrar seu jeito próprio de dormir. Nesse sentido, dormir é um aprendizado. 

 

Enquanto estudiosas da Abordagem Pikler, quais são as orientações em relação ao descanso das crianças? 

Há poucos artigos teóricos específicos sobre a experiência do sono. Entretanto, podemos nos basear em alguns princípios e em alguns registros da vida na casa Pikler para pensar aspectos relacionados ao sono.  

No caso das necessidades básicas vitais como comer, evacuar e dormir, a autorregulação é um fator primordial. Se há uma rotina bem estabelecida para as crianças, elas irão para a cama com tranquilidade, como é a hora habitual de dormir vão sentir sono. 

Precisamos considerar que o sono é uma separação das figuras de referência da criança, aqueles que cuidam dela e em quem ela confia. Pode ser a mãe, o pai, outros familiares ou a professora. Para adormecer é preciso estar seguro de que, ao acordar, os cuidadores estarão presentes. Caso isso não seja possível, é preciso conversar com a criança e informá-la sobre quem estará com ela no dia seguinte. 

Se o vínculo ainda não se estabeleceu, como por exemplo, no momento da adaptação na creche/escola, a criança pode ficar ansiosa no momento de dormir e mesmo se recusar a dormir.

Outro aspecto importante que deve ser considerado é a regularidade do local de descanso. O lugar onde a criança dorme precisa ser sempre o mesmo. O mais indicado é que ela tenha sua própria cama ou berço. Na sesta não é preciso que o quarto esteja escuro, escutar os ruídos da vida cotidiana pode acalentar algumas crianças. 

Dentro destes parâmetros ainda restam todas as questões individuais, a idade da criança e o que ela está vivendo naquele momento. 

Mas se tivermos que indicar um princípio geral, nossa orientação é, em todo caso, conversar diretamente com a criança. Não precisa ser no momento de colocá-la para dormir, onde a ansiedade pode ser grande. O adulto deve falar sobre os seus sentimentos, contar suas próprias experiências em relação ao sono e como foi que venceu as dificuldades do momento. É preciso, sobretudo, escutá-las também.  

Claro que um cotidiano rico em brincadeiras contribui significativamente para uma boa sesta ou sono noturno, como já sabemos pelo senso comum. 

 

Como podemos conduzir a criança para a sua autorregulamentação dentro das novas dinâmicas impostas pelo distanciamento social? 

O confinamento pode ser compreendido como uma oportunidade de conhecer melhor as características das crianças, uma vez que ela não está submetida aos horários de entrada na escola ou aos horários de trabalho dos pais. No entanto, é fundamental garantir uma rotina estável e adaptada às necessidades específicas da criança.  

Uma dica é escrever a rotina da criança e ir fazendo ajustes conforme o que é observado. É bem interessante checar a quantidade de horas de sono da criança e consultar as tabelas disponíveis sobre o assunto. Nesta análise, é preciso considerar a singularidade de cada uma, algumas são mais dorminhocas outras menos. Se a rotina está desajustada é possível traçar objetivos compartilhados com a criança para ajustá-la aos poucos ao seu ritmo. 

Devemos nos lembrar que a criança precisa de mais horas de sono que o adulto e, portanto, a rotina não é a mesma para os adultos. 

 

Há um momento ideal ou sugerido para apartar as crianças pequenas da cama dos pais? Como conduzir essa ruptura de maneira natural? 

Esta decisão sobre dormir ou não na cama dos pais precisa ser avaliada por cada família, para que reflitam sobre o quanto esta prática interfere na vida do casal e, também, na conquista de autonomia da criança para adormecer. Em algum momento da vida da criança será necessário fazer da própria cama o seu espaço, seu local de conforto. 

Precisamos entender que compartilhar a cama já foi um hábito cultural na antiguidade, assim como é cultural dormir em redes, esteiras e berços. Estas são escolhas que cada família precisa fazer, fundamentando-se também em seus sentimentos de pertencimento cultural.

No Abrigo Pikler de Budapeste, os bebês são colocados ainda quando estão acordados em seus berços, inclusive ao ar livre, logo após uma sequência de cuidados, quando estão satisfeitos com a atenção genuína que lhes foi dedicada ao serem banhados, trocados e alimentados. 

Para as crianças maiores, era usada uma cama rente ao chão, que permitia o livre acesso da criança para que ela construísse suas referências de cansaço e descanso sem precisar solicitar a ajuda de um adulto. Este é um hábito possível de se reproduzir quando a criança sente-se segura e autorizada a decidir por ela mesma.

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Carmen Orofino, Eliana  Sisla, Suzana Macedo Soares, Tânia Fukelmann Landau são estudiosas e pesquisadoras da Abordagem Pikler e atuam na formação de profissionais da infância. Acreditam em uma educação baseada no direito da criança de ser escutada, respeitada em sua individualidade, acolhida e respeitada em seu modo singular de ser, estar e conhecer o mundo. Compõem o Grupo Curiá de estudos, aprofundamento e produção de conhecimentos sobre a primeira infância e fazem parte do grupo fundador da Rede Pikler Brasil e Rede Pikler Nuestra America.

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