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Decisão do STF sobre prisão domiciliar impacta a vida de crianças dependentes de acusados pela justiça

23 de fevereiro de 2018

Não há dúvidas que o dia 21 de fevereiro vai ficar marcado na história. Em sessão de julgamento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder um Habeas Corpus (HC) coletivo em favor de mulheres grávidas ou com filhos de até 12 anos presas preventivamente, para que cumpram prisão domiciliar. A medida atende mulheres que ainda não foram condenadas e que tenham cometido crimes sem natureza violenta. Certamente uma decisão que abre precedentes para uma importante discussão sobre o direito de pessoas que aguardam julgamento e, de forma indireta, a vida de crianças que possuem responsáveis em situação carcerária.

Para recapitular, o pedido foi feito em maio de 2017 por advogadas do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) juntamente com a Defensoria Pública da União. Além disso, Pedro Hartung, coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, também participou do processo como amicus curiae (amigo da corte).

Após a decisão, inúmeros especialistas defenderam que trata-se de um momento de extrema importância para a história do sistema carcerário brasileiro, priorizando os direitos humanos e a correção de injustiças cometidas contra essa parcela da população.

A título de contexto, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking dos países com maior população feminina em presídios. Enquanto que em 2000, a população feminina encarcerada correspondia a 5,6 mil pessoas, o número saltou para mais de 37 mil em 2014. O dado, apresentado no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN Mulheres), fica pior: dessas 37 mil mulheres presas no Brasil, 67% são negras, 68% têm entre 18 e 34 anos e 99% não tem diploma universitário.

Também não é incomum encontrar mulheres presas provisoriamente. Em média, três entre dez mulheres estão presas sem condenação. Além desses fatores, a grande quantidade de casos só contribui para a superlotação dos presídios, com condições precárias de higiene e violações diárias de direitos básicos. Que pessoas tenham que passar por privações como essas como pena por terem infringido alguma lei já é grave. Mas, que grávidas fiquem presas e sem acesso a cuidados próprios e decentes, como o pré-natal e exames de rotina, constitui-se como mais uma violação dos direitos humanos.

Os impactos na infância

A verdade é que, apesar de serem muitas as notícias e dados sobre o sistema carcerário brasileiro, somente quem vive essa realidade conhece de fato o que se passa nas celas e dependências das cadeias.

Agora, é importante discutir que, se ambientes nessas condições não são seguros para nenhum ser humano, o cenário fica pior quando incluem-se bebês e crianças em fase de desenvolvimento nas celas e pátios de cadeias. Segundo Pedro Hartung, estima-se que, atualmente, cerca de 1800 crianças em todo o Brasil estão vivendo no cárcere.

Nascer, viver e se desenvolver em situações de privação compromete o desenvolvimento humano em inúmeros aspectos. Este mês, o caso de Jessica Monteiro ganhou notoriedade: durante três dias, a mãe ficou presa junto com seu filho recém-nascido em uma cela de dois metros quadrados. Em outro caso, Cristiane Ferreira Pinto, grávida de nove meses e mãe de dois filhos, foi presa preventivamente por furto de comida.

Para essas mulheres e muitas outras em situações semelhantes, a decisão do STF traz benefícios que vão muito além das próprias detentas. Com as mães cumprindo suas penas e medidas em prisão domiciliar, os filhos poderão ter um desenvolvimento sem precisar viver parte da vida em penitenciárias.

Crescer em um ambiente fechado, precário, que não atende às necessidades básicas e impossibilita o acesso a outros espaços, como áreas verdes, ou à recursos, como brinquedos e objetos lúdicos, interfere na infância de cada criança, muitas vezes atrasando o desenvolvimento em diversos aspectos, como emocionais e sociais.

Por fim, independente do julgamento entre o certo e o errado no caso da decisão do STF, fica a reflexão: pessoas que cometeram infrações devem pagar por seus erros; mas é preciso pensar na situação dos dependentes desses adultos. Nas várias camadas de interpretação que esse enorme problema permite, a Aliança pela Infância chama a atenção para um: quem está olhando para os filhos dos acusados e para os direitos dessas crianças? Afinal, quanto custa para um cidadão – e para uma sociedade – ter uma infância plena roubada?

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* A ilustração usada nessa matéria pertence à artista Rachel Caiano (acesse o blog aqui).

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