Inspirações e experiências

2022

Como propor brincadeiras e criar espaços seguros para brincar?

26 de maio de 2022

Ações da Semana Mundial do Brincar por todo o Brasil mostram que materiais simples do dia a dia podem criar ambientes potentes e seguros para as crianças brincarem

Por Tatiana Ribeiro

Das brincadeiras de quintal em Manaus (AM) ao brincar com a natureza em Gravataí (RS). A Semana Mundial do Brincar chega a sua 13ª edição com mais de 400 propostas cadastradas ao redor do Brasil, além de outras centenas realizadas espontaneamente, em parques, escolas, praças, bibliotecas e tantos outros espaços. Desde o dia 21 até o próximo domingo (29) crianças e adultos mobilizam juntos ações que mostram que o brincar garante direitos e nutre a confiança das crianças em si mesmas. Brincar também nos leva a confiar na vida em comunidade e no porvir.

 “Brincar com confiança remete à fé, a acreditar”, comenta Everlania Lima, professora da educação infantil na Escola Municipal Maria do Socorro Urbano, em Iranduba, Zona Rural de Manaus (AM). Partiu dela a ideia de realizar uma intervenção nos espaços da escola para que as crianças pudessem ter um ambiente seguro para brincar.

 “Como a escola fica próxima ao Rio Amazonas, nessa época de muita chuva cresce o número de cobras, aranhas e animais peçonhentos que podem machucar”, conta a professora que, junto à pedagoga e à gestora da escola, ressignificou o refeitório da creche.

 Ajustando uns móveis para lá e trazendo materiais não estruturados para cá, a equipe criou um potente contexto para o brincar livre e seguro. Blocos, materiais recicláveis e artísticos, tecidos, livros, bonecas e outros brinquedos: a simplicidade dos materiais usados foi matéria prima para invenções elaboradas do brincar da criançada.

 “Criar esses espaços de brincar é fundamental porque é a partir do brincar que os outros direitos também podem ser engajados”, comentou Everlania. Para a professora, a mobilização em torno da SMB impacta as crianças, os educadores e toda a comunidade.

 “A Semana do Brincar trouxe vida para nossa escola. Olhar para as produções das crianças, vivenciar esse momento em que as paredes estão cheias de história e criatividade. É prazeroso estar nesse ambiente. A escola tá bonita de se ver”, celebra.

 Confiar na força do brincar: por mais adultos e rotinas brincantes

 Assegurar o direito ao brincar é tarefa de gestores públicos e de toda a sociedade civil. Seja por meio de leis, melhorias e ocupação de ambientes públicos ou no contexto da vida particular, todos podemos contribuir.

Assim como Everlania, adaptar e aproveitar o que cada espaço pode oferecer é o que a Carmen Maior tem feito no espaço Brincando em Casa, também em Manaus (AM). Em um quintal com árvores, terra e gangorras, a equipe utilizou tecidos para criar balanços e túneis. Com o calorão que tem feito na região, a próxima ideia é brincar com gelo, bacia e tintas vegetais.

Deslizar sobre o chão em cima de um pano fofinho se tornou um momento especial entre bebês e seus cuidadores no SESC Interlagos (SP). Em Ribeirão Preto (SP), caixas com materiais não estruturados foram um convite para o faz de conta. Em Pinheiros, bairro de São Paulo (SP), a Ocupação Afro Lúdica trouxe caxixis, cabaças, colher de pau, livros sem palavras, caixinhas surpresas e outros objetos para uma tarde de livre exploração sensorial e sonora.

Ações como essas lembram que criar condições para o brincar pode vir de ideias simples do cotidiano. A psicóloga e sócia fundadora do Ninguém Cresce Sozinho, Patrícia Grinfeld, gosta de convidar os cuidadores a enxergarem brincadeira naquilo que não “tem cara” de brincadeira.

“Brincar não é só jogar bola, brincar de boneca, jogar um jogo. Às vezes, a gente brinca penteando o cabelo, escolhendo uma roupa, preparando a comida, olhando a rua. Dentro do carro, podemos dizer: vamos tentar achar o carro vermelho? Podemos puxar ou entrar na brincadeira, é só prestar atenção no que a criança convoca”, comenta.

A rotina corrida, o excesso de trabalho e a sobrecarga mental podem dificultar nossa criatividade ao propor esses convites às crianças. Como antídoto, podemos começar resgatando a lembrança do encantamento que tomava nosso corpo, aquilo que gostávamos. Quais frestas encontrávamos para brincar?

“Nossas lembranças de brincar provavelmente trazem ideias que são muito acessíveis. Se a gente faz esse resgate, muitas vezes a brincadeira não tá associada a um brinquedo mega especial, mas a alguma coisa inventiva. É muito mais na linha do afeto e da criação, do que com o brinquedo em si”, explica a psicóloga.

Outra sugestão de Patrícia é fazer como a Everlania no Amazonas e adaptar os espaços que tivermos à nossa disposição. Seja arrastando um pouco o sofá da sala ou tirando coisas que podem causar acidentes no cômodo, assim a criança pode brincar livremente sem tanta interferência.

Estar presente com certa distância é fundamental para a construção da autoconfiança, segundo Patrícia. “Confiar no brincar é estar junto, mas saber a hora de não interferir. Em certas situações devemos alertar o que não pode ser feito, mas se oferecer para experimentar de outro jeito. Dizendo, o que você acha que vai acontecer? Vamos ver juntos?”.

Abrir tempo na agenda, adaptar espaços e oferecer presença. Com pequenas mudanças na rotina, podemos oferecer condições para infâncias mais brincantes e plenas. “Pensando na força, no resgate do que é o brincar, acho que é o encontro consigo e com o outro, o tempo todo”, finaliza Patrícia.

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