Slider

Reflexão para o Dia do Brincar: “Brincando se cura o corpo e a alma”, por Reinaldo Nascimento

28 de maio de 2018

No Dia Mundial do Brincar, 28 de maio, a importância do Brincar de Corpo e Alma se faz ainda mais presente. Como partida para a reflexão do dia, o artigo de Reinaldo Nascimento no Guia SMB 2018 aborda a cura pelo brincar. Reinaldo é terapeuta social, educador físico e integrante do time internacional da Pedagogia de Emergência, com o qual participou de várias intervenções ao redor do mundo. Parte desta experiência ele apresenta aqui, com histórias que tocam e ensinam.

Mesmo em momentos de crise e contextos de dureza, é preciso lançar luz à importância do brincar livre. Mesmo em tempos difíceis, é preciso continuar garantindo espaço e tempo para a criança ocupar os territórios e se relacionar com o mundo com seu brincar. Afinal, é por meio deste ato que a criança vivencia as relações sociais e exercita valores como mediação, tolerância e perdão — fundamentais no caminho para uma cultura de paz.

 

BRINCANDO SE CURA O CORPO E A ALMA
por Reinaldo Nascimento

Eu estava com ele em um campo de refugiados no Líbano. Um garoto de oito anos. Cabelos pretos, bem penteados e cheirosos. Olhos castanhos, cor de mel. Uma energia capaz de destruir tudo o que tocava. Ele, somente com 7 anos, viu seu pai sendo decapitado. Outras crianças foram deixadas em abrigos porque seus pais perderam tudo por causa de um terremoto devastador. Outras, em outros campos, não perderam suas casas… elas já nasceram sem elas.

Em todos esses casos, assim como em tantos outros, o brincar tem sido para essas crianças um momento de alívio. Muitas vezes, suas brincadeiras são duras. Repetem o que vivenciaram e acabam se machucando, se assustando e, muitas vezes, se isolando.

É preciso ter calma. Uma roda, um verso, uma música e um ritmo. Em seguida, várias brincadeiras que eu sei que podem ajudá-las nesse primeiro momento em que suas vidas são permeadas por medo. Muitas nem sabem o que está realmente acontecendo, mas sentem na comunidade o desespero da incerteza.

Muito devagar, o ritmo do dia e a presença dos educadores vão sendo assimilados.

As brincadeiras e jogos que usamos começam a despertar nelas a alegria e as lembranças boas das brincadeiras que brincavam. Elas começam a sugerir, a inventar, falam depressa, seus olhos começam a brilhar e com isso suas olheiras vão sumindo…

Brincar nesses locais tem sido para mim um grande aprendizado. Muitas vezes, eu me pergunto o porquê das brincadeiras terem se tornado hoje em tantos países algo “gourmet”. Algo chique, fino, somente em certas ocasiões e com a devida porção de ingredientes especiais. Brincadeira precisa ser como o pão e o arroz com feijão nossos de cada dia!

Passei por esses dias na favela onde nasci e vivi os momentos mais felizes e mais tristes da minha vida. O que logo me chamou a atenção foi ver que hoje é realmente difícil brincar nas ruas tomadas por carros, caminhões, motocicletas. Nós costurávamos redes para jogar vôlei, e os poucos carros tinham que pedir permissão para passar.

Brincadeiras como rouba-bandeira, pega-pega, esconde-esconde, queimada, taco, estrela nova sela, bolinhas de gude, pião, pipa, amarelinha e outras mais sofisticadas, como a construção do carrinho de rolimã, tinham hora para começar e só terminavam quando os nossos pais vinham nos buscar e, claro, muitos pais acabavam brincando conosco. Era tudo na rua mesmo! E não somente nos finais de semana. O caminho para casa era triste no melhor dos sentidos.

O brincar é a ferramenta para o trabalho que realizo hoje no Brasil e em outros países com crianças e jovens que passam por situações realmente desastrosas. E, para mim, fica cada vez mais claro que o brincar deve fazer parte da vida da criança e não somente do currículo escolar dela.

As brincadeiras precisam ser brincadas e não simuladas.

Foram com brincadeiras e materiais muito simples que o garoto de oito anos, cabelos pretos bem penteados, a menina de sete anos que viu seu pai sendo decapitado e tantas outras crianças com suas necessidades puderam transformar suas dificuldades. Por meio das brincadeiras puderam dissolver muitas de suas tensões. Puderam ver alegrias em meio a tanto caos.

Lembro-me com muito carinho de um grupo de crianças no sertão de Pernambuco que brincava conosco enquanto seus pais recebiam as cestas básicas e roupas. Depois das brincadeiras elas receberiam seus presentes. O bonito era perceber que os brinquedos já não importavam mais, as brincadeiras eram o mais importante!

Trabalho com crianças tristes, desconfiadas, com raiva, medo, pânico, vergonha, ou seja, com suas almas muito doloridas e muitas vezes seus corpos não respondem mais por causa de tanta dor e ficam paralisados.

Elas não querem brincar! Mas é o brincar que tem sido, em muitos casos, o caminho de conexão entre seus corpos e almas. Tem sido no brincar o caminho que elas encontram para crer que o mundo possa vir a ser bom, belo e verdadeiro…

Acompanhe nas redes
-Aliança pela Infância - 55 11 3578-5001 - alianca@aliancapelainfancia.org.br