Como apurar a escuta com as crianças por Adriana Friedmann

23 de outubro de 2020

A Aliança pela Infância promove a Semana da Criança com base na Cultura de Paz no universo do sensível 

Para tanto, o Movimento destaca quatro palavras-chaves: o cuidado, o convívio, a cultura e o amor à natureza. Ao reconhecer a essência brincante, encantada e formativa dessa etapa da vida, a Aliança aponta a infância como inspiração para todos os seres humanos.

Partindo do princípio de que o cuidado e o convívio se relacionam diretamente ao exercício dos momentos de devoção, escuta e acolhimento, a Aliança pela Infância conversa com Adriana Friedmann, cofundadora do Movimento, pesquisadora do universo infanto-juvenil e especialista em escuta de crianças.

Confira a entrevista:

Levando em conta a Semana da Infância e Cultura de Paz, promovida pela Aliança pela Infância no mês de outubro, qual o papel da escuta da infância para a promoção da paz para as gerações futuras?   

As crianças são atores sociais e sujeitos de direitos. Elas têm saberes fundamentais que precisam ser respeitados. O único caminho possível para tal é o da escuta. Essa escuta não só acontece por meio da palavra mas, principalmente, observando seus comportamentos para identificar necessidades, interesses e potencialidades; assim como oferecendo tempo e espaço para que elas possam se expressar através das diversas linguagens. A possibilidade de expressão e reconhecimento das potências das crianças é o caminho para que sejam seres humanos realizados e respeitados nas suas singularidades, caminho para a construção de uma sociedade e cultura de paz.


Em muitos casos, educadores estão trabalhando pela primeira vez com crianças de zero a 6 anos de idade de maneira remota. Em tempos de isolamento social, como conseguir conciliar a orientação educacional online sem ultrapassar os limites de segurança da superexposição à telas? 
 

Com crianças entre zero e 6 anos se trata muito mais de estar em comunicação por meio de cartas, gravações e, muito eventualmente, das telas. Em tempos de isolamento não se trata de dar orientação educacional, mas de escutar as crianças, conhecer suas realidades a partir das suas expressões espontâneas;  brincadeiras, produções, desenhos, modelagens, movimentos, músicas, conversas, etc. A chave é compreender o que estão vivendo, sentindo, curtindo, do que estão sentindo falta, do que estão gostando e o que estão fazendo no cotidiano.

A senhora acha possível uma transposição integral de uma atividade educacional infanto-juvenil presencial para o modelo digital? Qual aposta faria para as metodologias pedagógicas pós-pandemia? 

Não acredito na transposição de atividades do presencial para o digital. Entendo que o que as crianças e os jovens vêm perdendo são as trocas sociais com seus pares e educadores, os diálogos, a convivência no coletivo e sobretudo a possibilidade de movimento e contato com a natureza. No entanto, sem dúvida há ganhos, desde a convivência em família, até novas habilidades que as crianças estão descobrindo neste momento. Só poderemos mensurar os ganhos com o passar do tempo, ouvindo as crianças.

Acredito que o mais importante será escutar as crianças com menos perguntas e mais propostas lúdicas e artísticas para, então, propor ações pedagógicas adequadas às necessidades e interesses, sempre em diálogo com os currículos previamente estabelecidos. Muita flexibilidade e criatividade serão necessárias daqui em diante. 

Como induzir a interação de criança para criança neste momento em que estão isoladas? Como fugir da perspectiva adultocêntrica? 

Mais do que ‘induzir’, me parece importante que se pensem em formas de comunicação entre as crianças, de novo, por meio  de cartas, pequenos vídeos, troca de presentes feitos pelas crianças, brincadeiras, histórias, propostas de produções colaborativas, (uma história, por exemplo), etc. Devemos confiar na capacidade criativa do universo infantil, a qual perpassa a perspectiva dos adultos.


Quais atividades, enquanto família ou pessoa que convive com crianças, podemos ativar?

Cozinhar em família, tornar as atividades domésticas em atividades lúdicas, cantar, dançar, ir para espaços de natureza, explorar o bairro com as devidas precauções de segurança sanitária (distanciamento e uso de máscara), inventar brincadeiras, escrever e desenhar ou representar histórias, etc.

 

Como abordar sentimentos como saudade, confusão político-ideológica e (em alguns casos) luto com as crianças em momentos delicados do confinamento?  

Sempre propondo atividades a partir das quais as crianças possam expressar suas emoções, como os exemplos que citei na pergunta anterior. 

Segundo relatório do UNICEF, metade de nossas crianças e adolescentes (27 milhões) vive sob múltiplas privações e, especialmente para essa parcela, a escola é reconhecidamente um fator de proteção. Na sua opinião, quais os efeitos da perda desse lugar de seguridade para o desenvolvimento pleno da infância? Como seria possível propor uma educação remota onde se recrie esse espaço de seguridade? 

O mais importante é criar canais de comunicação (WhatsApp , podcasts, cartas) que sejam capazes de orientar os pais. Precisamos ter diálogo com eles para saber o que seus filhos estão vivendo e auxiliá-los tanto no que se refere à saúde e à alimentação das crianças, à convivência cotidiana saudável e pacífica, quanto a atividades que podem ser oferecidas aos seus filhos, também sobre quando e como é possível solicitar ajuda se necessário. 

Adriana Friedmann é cofundadora, junto com Ute Craemer, da Aliança pela Infância, criadora e coordenadora do Mapa da Infância Brasileira e do NEPSID (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Simbolismo, Infância e Desenvolvimento), impulsiona e mapeia diversidade de iniciativas e forma empreendedores na área. Atualmente, Adriana desenvolve pesquisas com crianças, formando especialistas em escuta de crianças. 

Autora de vários livros, dentre os quais ‘A vez e a voz das crianças: escutas antropológicas e poéticas das infâncias’ (Editora Panda) e ‘A arte de brincar’ (Ed. Vozes). 

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