Brincando de casinha na América Latina: existe tarefa ‘de menina’ e ‘de menino?

13 de julho de 2021

Por Mayara Penina

A América Latina é uma das regiões do continente americano com maior biodiversidade e pluralidade de culturas e povos do mundo. A criatividade e possibilidades do brincar é algo comum entre as crianças. Elas brincam mesmo em condições adversas como uma pandemia e sem contar com espaço ou insumos para uma brincadeira ou outra. 

“Com criatividade e imaginação, a rua de uma casa de El Salvador, a área rural da Nicarágua, ou mesmo as vielas de um bairro periférico da capital do Peru são lugares onde, sim, é possível brincar. Cantigas e contos são comuns em diversos países, cada qual com uma temática que esteja mais próxima da cultura e do contexto em que estão localizados”, afirma Bruna Leite, coordenadora do Programa Cone Sul, da organização terre des hommes Alemanha.

Em 2021, como em anos anteriores, a Semana Mundial de Jugar seguiu o tema da Semana Mundial do Brincar brasileira. De acordo com Bruna, Jugamos a la casita vem no sentido de propor uma ressignificação do espaço da casa, bem como dos papéis de gênero desta brincadeira tradicional que, todas e todos já brincamos em algum momento de nossas vidas. “Por meio da criatividade da criança, é possível refletir de forma lúdica sobre os papéis de gênero”, diz.

O tema é um convite para pensar para além de como tradicionalmente brincamos de casinha, que as crianças tenham a possibilidade de imaginar a sua casa junto com os adultos, partilhando as tarefas e responsabilidades da casa. É também uma oportunidade de questionar os paradigmas de gênero, uma vez que os serviços domésticos e atividades de cuidado geralmente ficam a cargo das mulheres.

Com a pandemia, essa divisão de tarefas se tornou mais latente. De acordo com a pesquisa “Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”, realizada em 2020 pela Gênero e Número e a Sempreviva Organização Feminista, metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém durante a pandemia da Covid-19. No caso das mulheres rurais esse percentual alcança 62% das entrevistadas. 

A percepção das mulheres é que o trabalho doméstico – que inclui preparar ou servir alimentos, lavar louça e limpar o domicílio, entre outros – se intensificou no período da pandemia. Quando perguntadas se a atual situação alterou a distribuição das tarefas domésticas em suas casas, 23% avaliaram que a participação de outras pessoas no trabalho doméstico e de cuidado diminuiu, 64% das entrevistadas indicaram que no período do isolamento social a distribuição permaneceu a mesma e apenas 13% consideram que essa participação aumentou.

Mesmo em meio a uma situação sem precedentes de crise econômica e sanitária,o brincar deve ter um lugar na vida das crianças para também apoiá-la para elaborar os acontecimentos.

O teólogo e pesquisador das infâncias Gandhy Piorski, no livro “Brinquedos do chão: a natureza, o imaginário e o brincar” (Editora Peirópolis, 2016), descreve o brincar de casinha como uma brincadeira que proporciona o questionamento de hierarquias. “Mesmo numa brincadeira de casinha em que pai e mãe têm postos definidos, ocorre uma contínua ruptura dos papéis”, escreve Gandhy.

“Assim, não há dominados nem dominadores na brincadeira. Quando nascem, tais instituições precisam estar num pacto com todos que brincam. Caso contrário, destitui-se o pai e a mãe é banida. Prevalece a autonomia de cada um nas diferenças. Um campo aberto da diversidade”, descreve Piorsk num trecho da obra.

Como foi a Semana Mundial de Jugar na América Latina?

“Devido à pandemia, tivemos menos atividades que em anos anteriores, justamente pelas demandas emergenciais do momento de crise sanitária”, explica Bruna. Ainda assim, organizações de El Salvador, México e Peru, por exemplo, além de Chile e Argentina celebraram a Semana Mundial de Jugar de forma remota ou em atividades presenciais atendendo às orientações de distanciamento social. 

Confira algumas aqui 

Brincar em casa

Com a necessidade de isolamento social, a casa se tornou o contorno ou o corpo que tivemos que vestir. O projeto Território do Brincar se dedicou em 2020  a uma escuta online com famílias para compreender pelo contexto de cada criança e de seus interesses o que havia de espontâneo no brincar que estava acontecendo dentro de casa. 

Assim, nasceu o podcast “Brincar em casa”, que conta com sete episódios e aborda como se deu a convivência com as crianças em lugares como o quarto, a sala, a cozinha, o banheiro, entre outros locais da casa. 

Foram entrevistadas 55 famílias, sendo 25 delas na cidade de São Paulo, e 11 em outras cidades brasileiras. Algumas das entrevistas, 18 no total, também foram realizadas com pessoas de outros países como  África do Sul, EUA, Peru, Malawi, Alemanha, Suíça, Inglaterra, Itália, Argentina, Índia, Moçambique, Bélgica e México.

Confira:

tdh-A

A organização terre des hommes Alemanha (tdh-A) trabalha por um mundo que garanta a sobrevivência de todas as crianças, em que nenhuma seja explorada, em que tenham oportunidades de educação, desenvolvimento e justiça econômica e social.

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