#BaúDaSMB: crianças do Recife aprendem sobre ancestrais e criam brinquedo de coco

10 de outubro de 2018

Como todos os anos, a Semana Mundial do Brincar (SMB) vai embora e todo o planejamento e preparação começam de novo para a edição seguinte. Entretanto, nesse ano decidimos fazer uma série de reportagens relembrando ações importantes envolvendo o brincar desenvolvidas durante a SMB 2018 nos diversos núcleos da Aliança pela Infância espalhados pelo Brasil.

O núcleo da Aliança em Recife articulou uma atividade juntamente com o Canto de Memórias Mestre Zé Negão, localizado na cidade de Camaragibe, na região metropolitana do Recife. Trata-se de um ponto de cultura, como se fosse um centro cultural, criado na própria casa do mestre Zé Negão.

Lívia Santos, membro do núcleo de Recife, conta que Zé Negão é um mestre de coco de roda, um estilo de música e dança nordestina. Quando jovem, ele trabalhou em canaviais da Zona da Mata e hoje, instalado na região metropolitana do Recife, dedica-se a difundir a cultura de seus ancestrais. Uma dessas heranças culturais é a batida de coco, praticada por ancestrais que participaram do processo de escravização.

“O Mestre Zé Negão e a Mestra Fátima, sua companheira, são líderes comunitários, já que começaram a lutar por conquistas do lugar onde viviam. Por isso, passaram a ser referência de luta e promoção da cultura na comunidade. Como sempre foram ligados a questão da memória, como contação de histórias sobre tradições culturais, criaram na casa dele esse ponto de cultura que é o Canto das Memórias. É tipo um museu com uma proposta bastante diferente: essas memórias na verdade não são só do Mestre, mas sim do povo. São memórias de uma cultura, de resistência e de alegria também, porque a cultura também é alegria”, conta.

Segundo Lívia, o Canto das Memórias é um lugar peculiar: o chão batido, misturado com uma casa de taipas, cria um ambiente simples mas com um enorme potencial de aprendizado, ensinamento, beleza, brincadeiras e alegrias.

O Canto de Memórias e a SMB

A partir de um movimento de aproximação, ficou decidido que o Canto de Memórias e o Núcleo de Recife iriam desenvolver juntos uma atividade para a Semana Mundial do Brincar, uma vez que o Canto iria participar da programação da Semana Nacional de Museus com uma atividade focada na infância. “Fizemos vários encontros para decidir como seria. No fim, ficamos com a proposta de usar as memórias de brincar do Mestre para construir um brinquedo junto com as crianças. A equipe do Canto, especialmente o Marconi, ficou responsável por contactar uma escola que eles conheciam”, explica Lívia.

Antes de partir para a atividade em si, o Mestre ficou responsável por contextualizar para as crianças do segundo e terceiro ano do Ensino Fundamental o objetivo do Canto de Memórias. “O Mestre começou a atividade contando um pouco que aquele espaço era um lugar de memórias e de resistência. Falou sobre a questão do povo negro trazido da África e escravizado, que resistiam a essa dor com música e alegria. Nessa hora, mostrou alguns instrumentos musicais ligados a essa ancestralidade, e aí fomos entrando na questão do brinquedo.”

A ideia foi construir o pé de cavalo, brinquedo feito com tecido, barbante e quenga de coco (a parte marrom da fruta). Segundo Lívia, o Mestre e a Mestra Fátima quando criança admiravam as pessoas que montavam a cavalo e queriam imitar o som do trote do animal. Por isso, montavam um brinquedo com essa parte dura que produz um som semelhante ao trote.

Fazendo o próprio brinquedo

Fazer o próprio brinquedo foi um processo rico de aprendizagem para as crianças. “Depois que o Mestre explicou tudo e a gente disse que poderiam pegar o material, foi vum! Eles voaram, pegaram as coisas correndo, foi uma festa. Nesse processo de fabricação pediam ajuda, porque era preciso por exemplo furar o coco para poder passar o barbante, mas o resto foram eles que fizeram.”

Não trabalhar com um brinquedo estruturado já pronto e sim apostar na capacidade das crianças de construírem a nova ferramenta envolveu vários processos. “Tem a importância da descoberta, porque eles estão ali descobrindo algo novo, como a artesania do brinquedo, que não chegou pronto para eles. As crianças tiveram que passar por um processo, de construir o brinquedo, tentar, errar e insistir até conseguir.”

O aprendizado e o encantamento também foram pontos ressaltados por Lívia. Segundo ela, foi importante que as crianças e professoras descobrissem que um brinquedo com uma confecção simples pode ser divertido e envolver todos na brincadeira. “A questão da frustração também apareceu. Eles aprenderam que não é ‘não deu certo e pronto’. Então com alguns ajustes, dá para todo mundo construir. Também houve cooperação entre aqueles que conseguiam pegar o jeito mais rápido e os que precisavam de mais tempo. Eu saí tomada de uma alegria enorme.”

Além disso, ela ressalta que também foi preciso que eles se acostumassem e aprendessem a brincar com o pé de cavalo, uma vez que ficar em pé em cima da quenga de coco é mais desafiador e requer mais equilíbrio do que brincar com latas de leite, por exemplo.

“Eles terminavam de confeccionar e já iam tentar brincar. Apostaram corrida de pé de cavalo, depois participaram de uma roda de capoeira. O Mestre também ensinou a batida do coco e o refrão de uma música, que era assim ‘eu tenho saudade do povo guerreiro e trabalhador’. Ninguém queria ir embora. Deu para ouvir eles batendo o coco e cantando o refrão quando entraram no ônibus. Eu sou suspeita para falar, mas foi muito lindo e emocionante.”

 

*As fotos usadas nessa reportagem são do acervo de Lívia Santos, do Núcleo da Aliança pela Infância de Recife. 

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