O sono e os sonhos das crianças: qual o papel da escola nessa história?

11 de outubro de 2016

O especial ABCD Encantado da Infância foi pensado para incentivar a reflexão a respeito de temas essenciais à infância. Aprender, brincar, comer e dormir são pilares que podem ser vistos sob diferentes perspectivas e analisados pelo bem das crianças e daqueles que vivem com elas.

Para entender melhor o D desse ABCD encantado conversamos com a psicóloga especializada em Educação Infantil, Rosa Pantoni, que explicou a importância do sono e dos sonhos no desenvolvimento das crianças e como a escola pode e deve participar desse processo.

Para ela, ainda há muitos desafios nesse sentido, mas o resultado para pais, crianças e escolas é tão gratificante que vale a pena insistir em uma educação que prese por esse lado emocional dos pequenos. Sim, o dormir mexe com corpo e mente e determina certos aprendizados.

1. Cada vez mais pessoas estão dormindo menos e experimentando momentos de descanso de má qualidade. Você concorda com essa afirmação? É uma marca dos nossos tempos? Que impacto isso tem na infância?

RP – Sim, concordo. As novas exigências da vida contemporânea têm feito com que as pessoas ampliem suas atividades de trabalho, ou de exercício físico, gastando também mais tempo com as novas tecnologias e menos tempo para si e para o dormir. Vejo que isso acaba por diminuir também o tempo cotidiano dos pais com seus filhos e, mesmo quando juntos, não estão de fato compartilhando o fazer. Geralmente o adulto está fazendo seus afazeres e as crianças fazendo outras coisas. O favorecimento de atividades lúdicas, como o brincar dentro e fora de casa, tem sido cada vez menos oportunizado e isso tem um impacto no sono e consequentemente no desenvolvimento das crianças. A má qualidade do sono impacta na forma como as crianças organizam as suas conexões cerebrais, como constituem suas interações no sentido de lidar com frustração ou construir um repertório gestual e de linguagem e também na própria identidade, uma vez que é nessa fase inicial da vida que elas vão tomando consciência do que conseguem ou não fazer, construindo preferências, constituindo sua motricidade.

2. Como você avalia a importância do dormir e a capacidade de sonhar no processo de aprendizagem da criança? 

RP – Dormir é fundamental para a saúde física e mental, pois o sono é responsável pela regulação da nossa disponibilidade de agir fisicamente sobre o mundo, do nosso humor, pela organização das nossas memórias, pela regulação de uma série de hormônios e outras substâncias que agem na manutenção da nossa saúde. Muitas pesquisas têm relacionado o dormir mal com obesidade, problemas gastrointestinais, hiperatividade, e isso vale para adultos e crianças. No dia a dia, observamos que, quando a criança não dorme bem, o nível de birras aumenta consideravelmente, assim como a agressividade, o choro, o número de conflitos com os colegas. Uma noite mal dormida modifica a atuação dos pequenos durante o brincar ou outras atividades na escola, tendo, portanto, um impacto na aprendizagem. Além das questões físicas, o sonhar propiciado por um sono de qualidade está muito relacionado ao funcionamento psíquico e a atividade criativa. Ao sonhar, a criança soluciona alguns conflitos que atuam em nível inconsciente, processa memórias, tem insights e reorganiza conexões cerebrais que ajudam na imaginação e criação.

3. Momentos de sono e descanso devem estar incluídos no currículo na Educação Infantil? Por quê?

RP – Considerando que na Educação Infantil o cuidado e o educar são indissociáveis, eu penso que é fundamental na reflexão sobre currículo tratar questões como sono, alimentação, medicação e outros. A visão de um currículo que considere o aluno na sua integralidade ainda está muito longe da realidade brasileira. No âmbito da Educação Infantil, os horários para descanso e/ou sono muitas vezes estão organizados em função das necessidades do adulto e não necessariamente das crianças. Seja por conta da rotina da cozinha ou da necessidade de organização de horário de almoço dos professores ou de reuniões. Isso precisa ser repensado. E a criança nessa agenda? Em algumas instituições o espaço físico também dificulta condições para o bom sono, como os berçários que tem apenas uma sala para acomodar quem está dormindo e quem já acordou e precisa brincar. São muitos desafios a serem pensados: o olhar para atender necessidades individuais em função da criança estar tomando algum remédio que produz mais sono ou aqueles que chegam muito mais cedo na instituição do que o restante do grupo, crianças que têm refluxo e precisam manejo específico em termos de acomodação de posição. Quando essa reflexão é tratada em formação com os professores, as ações podem ser transformadas. Hoje eu percebo que algumas instituições já concebem o sono como um momento educativo que necessita de planejamento, como organizar o espaço ou ações que ajudem no sono de qualidade. Precisamos pensar nos seguintes pontos: oferta de carrinho ou colchão, cuidados como distância entre os colchões, com a limpeza do ambiente, com luminosidade, nível de barulho, ventilação, oferta de músicas que contribuem para um sono de qualidade, aconchego do professor para aquelas que precisam do ninar ou do toque físico para dormir, a oferta de objetos transicionais como chupeta, paninho e outros.

4. Ainda sobre o sono na escola, isso vale para todas as crianças? Até que idade é necessário? Por favor, dê suas recomendações.

RP – A reflexão sobre a oferta de momentos de sono ou descanso vale para todas as crianças pois em cada faixa etária temos desafios diferentes. Por exemplo, quando recebemos bebês pequenos (4 ou 5 meses) que estão vindo pela primeira vez para a instituição, o desafio é como acomodar ritmos muitas vezes tão diferentes no coletivo. É um período que a rotina proposta pela instituição e as necessidades individuais precisam ser bem equacionadas. No geral, as crianças precisam dormir em mais de um período, algumas fazem sonecas, outras já dormem um período maior. Com crianças de dois ou três anos já é possível estabilizar um horário para o grupo o que facilita o planejamento, mas ainda assim é preciso acompanhar bem ao longo do ano, pois o grupo inicia o ano dormindo dois períodos (manhã e tarde, por exemplo) e após alguns meses o grupo passa a ter necessidade de dormir em apenas um período. Já as crianças acima de 4 anos começam a ter suas necessidades próximas ao padrão adulto, o que muitas vezes faz com que, apesar de ficarem cansadas, não precisem necessariamente do sono durante o dia. Isso não quer dizer que não é preciso pensar em momentos de descanso ou de atividades que promovam relaxamento, pois ao longo do dia é fundamental que as crianças alterem momentos de maior agitação com outros mais relaxados e contemplativos.

5. Nesse caso, quais atividades proporcionam o relaxamento necessário para o corpo e a mente da criança?

RP -Algumas pesquisas têm mostrado o quanto a prática de meditação, biodança, ioga e outras atividades para crianças têm contribuído para um desenvolvimento mais pleno, melhorando o controle das emoções, o nível de amorosidade e aprendizagem. Assim, mesmo a rotina não contemplando o dormir, é preciso pensar que deverá existir momentos para descanso. E mesmo com essas ações diferentes, é preciso levar em consideração que em alguns dias ou situações podem aparecer necessidades individuais ligadas ao sono, pois em um grupo de 20 crianças você pode ter uma ou duas que, mesmo com uma rotina organizada para o relaxar, necessitem fazer uma soneca.

6. Para finalizar, pensando na gestão escolar, educadores e pais, qual o papel de cada um quando o assunto é o dormir e o sonhar da criança?

RP – A família e a instituição têm o dever de zelar pelo desenvolvimento integral das crianças e pensar nas condições de como fazê-lo para que os momentos de sono e/ou descanso sejam de qualidade. Quando a família faz opção de compartilhar a educação do seu filho com uma instituição de educação ela precisa ter em mente que em cada contexto a criança se constitui de forma diferente. Uma coisa é dormir no quarto sozinho e em casa, outra coisa é dormir de forma coletiva junto com os amigos. Uma coisa é dormir dentro de uma maior flexibilidade de horários, que é o que acontece em uma rotina familiar, outra é dormir na escola, que precisa de uma organização para mais crianças, com rotinas de limpeza, alimentação e outras atividades. As relações de interação que a criança estabelece com o professor e com as outras crianças também interferem nessa dinâmica. Cabe aos pais e educadores conversarem, explicitarem suas rotinas e realizarem alguns combinados que irão favorecer melhor desenvolvimento para as crianças. O compromisso de ambos os lados em cumprir o foi acordado, avaliar se isso está fazendo bem para a criança e estar disponível para novas reorganizações é fundamental.

 

Rosa Virgínia Pantoni possui mestrado em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (2002) . Atualmente é psicóloga na Creche e Pré-escola Carochinha/SAS-USP-RP. Atua também como facilitadora de Biodança – Sistema Rolando Toro – formação pela International Biocentric Foundation (IBF), facilitando grupos de adultos, idosos e crianças em Ribeirão Preto e como consultora para redes públicas na área de Educação Infantil, organizando.

 

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